terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Aleluia
 
Neste mundo
cada vez mais violento
morre na pobre periferia
uma criança a todo momento
e as estatísticas aumentam friamente...
 
Uma bala de metal quente
quase nunca é perdida
encontra sempre nova vítima
Não é preciso estar na rua
Já não existe mais lugar seguro...
 
Enquanto se discute
coisas não tão importantes
a morte vai vencendo a vida
Nós vamos nos acostumando
e banalizando tudo porque somos adultos...
 
Afinal, importa a religião
a ideologia política?
Importa querer da depressão a cura
saber a cor da pele de quem te ajuda?
Qual o sentido do aleluia?
 
 
João Crispim Victorio
Ipiabas, março de 2020.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

 Luz do Natal

 

Advento da luz

Várias cores a piscar

no eletrizante movimento

dos frenéticos elétrons

invisíveis aos olhos nus

Reais ao coração

 

As elétricas lâmpadas

enfeitam os quintais

Iluminam as árvores

as varandas das casas

os solitários beirais

São luzes artificiais

 

A vida nas vitrinas

Coisas que o dinheiro pode comprar

Porém, uma amizade é mais que tudo

É a caridade que temos que praticar

Pobres são gerados pelos ricos

O capitalismo cria abismos sem se importar

 

A estrela permanece acesa

Seu brilho resiste em algum lugar

Talvez esteja por um fio

enfeitando uma Árvore de Natal

É preciso esperançar com compromisso

Senão a qualquer instante a Luz pode apagar

 

 

Ipiabas, 25 de dezembro de 2021

João Crispim Victorio

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Bem Viver, o antigo novo modo de conviver.

João Crispim Victorio[i]

Todo ser vivo que habita nossa casa comum tem que se relacionar com outros seres de forma harmônica e equilibrada para que ocorra, da melhor maneira possível, uma boa e necessária convivência, isso é, viver bem. O Bem Viver tem origem no conceito da cosmovisão das comunidades tradicionais latino-americanas que já em tempos remotos se organizavam a partir do coletivo. Esse modo de viver abarcava relações entre as pessoas e a natureza sem a presença de um modelo econômico, igual ao que temos na atualidade, como única forma possível de organização social.

O Bem Viver é uma filosofia de vida ligada diretamente ao saber viver em harmonia e equilíbrio com todos os ciclos da Mãe Terra e do cosmos. Sendo assim, a extinção de uma espécie pode significar a extinção do conjunto das espécies, já que todos os seres dos reinos animal, vegetal ou mesmo mineral vivem em uma rede de conexões, onde cada ser é uma parte importante para o todo.

Neste sentido, com o propósito de resgatar essa filosofia de vida vivida a milênios pelos indígenas, primeiros habitantes antes mesmo desta terra ser chamada Brasil, é que um grupo de homens e mulheres preocupados com o futuro das crianças, dos jovens e dos adultos, da comunidade (distrito de Ipiabas) vem promovendo e desenvolvendo atividades de educação e de cultura, no intuito de contribuir para a construção de uma nova sociedade embasada no Bem Viver e de acordo com a Rede Brasil do Pacto Global[1].

Educação e cultura são os dois eixos que essas pessoas vislumbram trabalhar por considerá-las fundamentais para a transformação da comunidade local em uma sociedade justa e solidária, possibilitando no futuro uma vida melhor a todos. Para tanto, julgou-se necessário fazer o resgate histórico do distrito e da Cidade (Barra do Piraí) que compõe a Região Sul Fluminense (Vale do café), pois, a história deve ser sempre contada e preservada, não necessariamente repetida. Tomou-se esta decisão devido ao fato que essa história tem início no final do século XVIII, quando nascemos das chamadas sesmarias pertencentes à Cidade de Valença, Estado do Rio de Janeiro.

Segundo os registros históricos e o livro: “Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro[2]”, no passado (Brasil Colônia, 1530 – 1822) toda a região do Sul Fluminense era habitada por alguns povos originários[3] (índios). A partir de 1800 é que a região começou a ser ocupado pelos colonizadores portugueses que criaram em 1849, um curato (zona eclesiástica da Igreja Católica) denominado Nossa Senhora da Piedade de Ipiabas. Em 1852 uma Lei Provincial transformou o local em uma Freguesia, com o mesmo nome tudo isso acontecia no Brasil Império (1822 – 1889). Durante todo o século XIX e início do XX a localidade pertenceu à Valença, sendo incorporada à Barra do Piraí em 1943.

Embora quase sempre ignorados, nos textos dos historiadores positivistas[4], enquanto personagens que de alguma forma influenciaram na construção histórica criando resistências aos poderes constituídos à época, os indígenas e os negros são parte dessa história, ambos escravizados nas fazendas de café. Uma das consequências dessa relação social é a formação de uma comunidade na sua maioria de mestiços e negros oriundos desse passado.

Nos dias atuais, Ipiabas é distrito da Cidade de Barra do Piraí, tem como principal fonte de economia pequenas atividades rurais e comerciais voltadas para atender os moradores residentes, os veranistas e os poucos turistas que ocupam as pousadas locais. O distrito de Ipiabas com área total de 44,365 km² e 750m de altitude está localizado em parte de Mata Atlântica, o que lhe favorece um clima temperado e agradável. É o quarto em extensão territorial, possui aproximadamente quatro mil habitantes, segundo censo de 2014. Está a 16,6 km do centro da Cidade de Barra do Piraí.

Ipiabas possui escolas públicas do Ensino Fundamental e Médio. Porém, é necessário que o poder público ofereça a essas crianças e jovens a oportunidade de aumentarem o capital cultural[5], por meio de aulas passeios e atividades lúdicas que desenvolvam a psicomotricidade, a leitura, a escrita, o raciocínio matemático e o gosto pela Ciência. É necessário assegurar a inclusão e a promoção de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, seguindo as orientações da Agenda 2030 do Pacto Global[6].

Com finalidade de alcançar a sonhada educação de qualidade é importante lembrar que devemos nos orientar sempre numa formação que proporcione o pensamento crítico do educando, para que tenham autonomia nas suas futuras intervenções na vida em sociedade e se tornem protagonistas de sua própria história, conforme reza a Constituição Federal no seu capítulo III da Educação, Seção I, Art. 205: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será  promovida e  incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao  pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Preparar a pessoa para o exercício da cidadania e qualificá-la para o trabalho torna-se uma tarefa difícil quando falta orientações aos próprios educadores. Por isso, para consolidarmos a filosofia do Bem Viver e para alcançarmos os objetivos propostos é necessário trabalhar com dois eixos: o primeiro diz respeito a Educação Cidadã e Ambiental e o segundo diz respeito a Cultura e a Coletividade.

Acreditamos que uma sociedade alcance suas transformações sociais por meio da transformação do cidadão, provocada por uma educação transformadora capaz de impulsionar a reflexão e a ação sobre a realidade atual para obtenção e conquista da autonomia intelectual, conforme preconiza Paulo Freire, no sentido de promover uma sociedade fraterna e promotora de justiça social em busca de vida em abundância para todos (Bem Viver).

Ainda de acordo com Paulo Freire, entendemos a cultura como um importante complemento do processo da educação. Sendo assim, educação e cultura deveriam andar juntas contribuindo para reduzir esse modelo de sociedade com base no preconceito e na exclusão. Diferente disso, queremos favorecer as crianças e aos jovens oprimidos o aumento do capital cultural por meio de aulas passeios, contribuindo, desse modo, para que adquiram conhecimento e se constituam de forma imperceptível num círculo virtuoso que contribuirá para a formação de uma sociedade mais justa e fraterna.

Segundo Leonardo Boff[7], “...o universo não é feito da soma das coisas, mas sim dos conjuntos das relações, pois tudo está interligado”. Para Boff, “...o espírito de coletividade está presente intrinsecamente na essência dos seres humanos”. Nesta perspectiva uma forma de sociedade alternativa seria a do “Bem Viver”. A sociedade proposta em oposição à sociedade atual, que tem como base a competição, se organiza de maneira cooperativa e solidária, superando os conflitos de interesses em prol da convivência humana pacífica na construção do bem comum.

A Casa Bem Viver quer contribuir para construção dessa nova sociedade onde vigore a solidariedade e todos possam conviver conscientes do pertencimento a rede de relações, de reciprocidade e de coletividade para melhor viver e coevoluir. Apoiamo-nos, para dar sustentação aos nossos ideais, em documentos como a Agenda 2030, que trata do Desenvolvimento Sustentável e tem como plano de ação a erradicação da pobreza e a promoção de vida digna para todos[8].

Nossos ideais estão diretamente ligados a filosofia das comunidades tradicionais brasileiras que se organizam a partir do coletivo e, conforme já foi dito, o Bem Viver é o saber viver em harmonia e equilíbrio com todos os ciclos da Mãe Terra e do cosmos. Isto inclui, nós os seres humanos, que somos integrante de uma mesma rede de conexões, onde cada parte é importante para o todo. Assim como os indígenas e os negros do passado, somos homens e mulheres, na maioria mestiços, construindo uma nova história.



Barra do Piraí (Ipiabas), ,04 de outubro de 2021.


[1] Criada em 2003, a Rede Brasil responde à sede do Pacto Global, em Nova York, e preside o Conselho das Redes Locais na América Latina. Os projetos conduzidos no país são desenvolvidos dentro das seguintes Plataformas de Ação: Água e Saneamento, Alimentos e Agricultura, Energia e Clima, Direitos Humanos e Trabalho, Anticorrupção, Engajamento e Comunicação e ODS (esta última para engajar as empresas em relação à Agenda 2030).

[2] FREIRE, José Ribamar Bessa e MALHEIROS, Márcia Fernanda. Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro, 2ª ed. Rio de Janeiro: Eduerj, 2009.

[3] Durante o período colonial, a região do Vale do Paraíba, era uma imensa floresta habitada por índios das tribos Xumetos, Pitas e Araris, que foram chamados pelos portugueses de Coroados, devido à forma do seu cabelo. Esses indígenas foram aldeados na então Conservatória do Rio Bonito (distrito de Valença). Até hoje podemos observar nos nomes de alguns bairros, nomes de algumas ruas a herança deixada pelos por esses indígenas.

[4] Os historiadores positivistas lançam mão do rigor metodológico advinda da descrição pormenorizada dos fatos contidos nos documentos oficiais escritos, obedecendo a linearidade cronológica dos acontecimentos, tendo em vista, principalmente os eventos de ordem política e personalidades importantes.

[5] BOURDIEU, Pierre. Capital Cultural, Escuela y Espacio Social. México: Siglo Veinteuno, 1997.

[6] A Agenda 2030 é um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade, que busca fortalecer a paz universal. São objetivos e metas claras, para que todos os países adotem de acordo com suas próprias prioridades e atuem no espírito de uma parceria global que orienta as escolhas necessárias para melhorar a vida das pessoas, agora e no futuro.

[7] Espiritualidade, Saúde e Ambiente, Palestra proferida por Leonardo Boff, no 8º Simpósio Interdisciplinar em Saúde e Ambiente (Sisa). Evento realizado por meio do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS). No Teatro Univates.

[8] A Agenda 2030 indica 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS, e 169 metas, para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos, dentro dos limites do planeta.

[i] Professor da SEEDUC-RJ, Especialista em Educação e autor dos livros: Sobre o Trabalho que Falo, Sobre o Rio que Falo, Sobre Nós que Falo e Nativos de Pindorama: Conhecer para respeitar é preciso.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Poema em protesto as mais de três mil mortes ocorridas em vinte quatro horas, no Brasil. O país foi colocado à deriva por um bando de insanos travestidos de governantes.


Pandemia

Tudo ia bem
na nossa Casa Comum
Mas das insistentes violações
nos habitats naturais
ocorreu um grande desequilíbrio
Organismos invisíveis que viviam em paz
foram diretamente atingidos
tiveram interrompidos seus fluxos naturais...

A partir dessa ignorância
Talvez ganância humana
que traz o insano desrespeito
a morte se faz presente
de forma intensa entre a gente
exibindo seu mais simples capricho
ceifar os mais velhos experientes
Sem se importar se pobres ou ricos...

Também não distingue gênero
muito menos a cor da pele
age segundo sua própria justiça
quer revidar séculos de agressões
assim lança milhões de vírus no ar
estes se alastram na surdina
por entre as pontes por nós construídas
Fazem festa noite e dia...

A morte que nos chega
não separa o joio do trigo
tão pouco se deixa dominar
por arrogantes senhores patéticos
fechados em seus caros ternos
luxuosos carros e apartamentos
obtidos às custas dos miseráveis
os ditos cidadãos de bem...

A morte vai em frente
a passos largos segue mutando
Agora de forma desigual
mata mais os carentes
aqueles fora do lema positivista
escrito na bandeira nacional
atualmente empunhada por estereotipados
cegos nazi-cristãos negacionistas...

 

                                                    

João Crispim Victorio

Barra do Piraí, 24 de março de 2021.

Resistência

No céu noturno
brilham estrelas Puri
Hoje o Vale é do café
Ontem, Mata Atlântica
 
Negros escravizados
trabalharam e apanharam
Sob a luz do sol e da lua
cantaram e dançaram
 
Gente de vermelho sangue
violentada em terras estranhas
Substituíram os braços nativos
conhecidos genericamente de índios
 
Oh! Mãe África
Olha teus filhos
Sofrem aflitos
Lágrimas de dor escondidas...
 
Há esperança
Um quilombo foi construído
Viva a rebeldia de Manuel Congo
Mariana Crioula sua rainha
 
Negros e índios
corpos marcados por chibatadas
agora resistem juntos
Início da nova sociedade
 
A resistência se espalhou
do Sul chegou ao Norte
Outros rebeldes seguem o exemplo
Lutam pela vida até a morte
 
Oh! Mãe África
Cuida dos teus filhos
Sangram invisíveis
Profundas chagas abertas na alma...
 
 
 
João Crispim Victorio
Barra do Piraí, 16 de junho de 2021

domingo, 18 de abril de 2021

A Ciência Indígena[i]

Uma reflexão para o momento atual de pandemia, de negacionismo e de desgoverno por que passa o povo brasileiro. 

19 de abril, Dia dos povos originários da Terra. 

Viva os Índios do Brasil e de todo o Mundo!!! 

Os povos indígenas brasileiros possuem uma longa história que se inicia há milhares de anos antes da chegada dos colonizadores portugueses. Isso significa que esses povos têm conhecimentos acumulados que lhes possibilitaram, como qualquer outra civilização humana, a se desenvolverem de forma equivalente. Os saberes indígenas foram gerados a partir de milhares de anos de observações e experiências empíricas compartilhadas no intuito de garantir o modo específico de vida. É necessário fazer essa constatação para desconstruir a ideia preconceituosa de que os índios precisam dos brancos para viver, pois seriam incapazes de assegurar a própria sobrevivência.

Os conhecimentos científicos e tecnológicos da sociedade moderna são importantes e devem ser também utilizados para aperfeiçoar e melhorar as condições de vida das muitas comunidades indígenas, o que não significa dizer que sem tais conhecimentos os índios não conseguiriam sobreviver. Os saberes indígenas, diferentemente dos nossos, estão ligados à percepção e à compreensão da natureza e é organizado a partir da cosmologia ancestral que garante e sustenta a possibilidade de vida. Nesse sentido, os saberes se manifestam em todos os momentos da vida cotidiana do povo indígena.

Para nós, os não índios, ciência[1] é uma palavra que deriva do latim “scientia” e significa conhecimento ou saber. Atualmente se designa por ciência todo o conhecimento que abarca teorias e leis gerais obtidas e testadas por meio do método científico. A ciência, na verdade, comporta um conjunto de saberes com teorias elaboradas nas suas próprias metodologias. Neste conjunto de saberes, temos as Ciências Humanas e as Ciências da Natureza que, obrigatoriamente, descrevem, ordenam e comparam os fenômenos naturais determinando as relações existentes entre eles, formulando leis e regras. Podemos distingui-las como Ciências Exatas: física e química e Ciências Descritivas: biologia, geologia, medicina, entre outras.

Para os indígenas, o acesso ao saber científico está ao alcance de todos, são conhecimentos públicos, embora sejam respeitadas as competências e as aptidões individuais como as de domínio do pajé[2]. A metodologia da ciência indígena é a visão da totalidade do mundo e está baseada nas dimensões do espírito e do corpo. A natureza é a fonte de todo o conhecimento e não o homem, por isso, o indivíduo deve buscar compreender e conhecer ao máximo o seu funcionamento para desvendá-la, compreendê-la, aceitá-la e contemplá-la.

O povo brasileiro, que aos poucos foi se formando, possui influências das culturas e dos saberes dos povos indígenas nos costumes, na alimentação, no vocabulário, nas artes e nas ciências. Mas, infelizmente, apesar da consciência indígena e das leis favoráveis à proteção dos conhecimentos tradicionais, muitos saberes e costumes estão desaparecendo diante da pressão da cultura dominante e da globalização. Entre as ciências, destacamos aqui apenas as da natureza por meio das medicinais e das astrológicas, como exemplos da importante contribuição indígena no desenvolvimento científico brasileiro.

Nas ciências medicinais, se apresenta a fitoterapia, palavra que derivada do grego e significa cura pelas plantas, ou seja, é a ciência que utiliza as plantas para o tratamento e prevenção de várias doenças. A fitoterapia é uma ciência que existe há muitos séculos. Os indígenas, muito antes da chegada dos portugueses, que encontraram aqui exuberante flora e fauna, já a utilizava, por meio das raízes, flores, folhas, cascas e sementes, na prevenção e na cura de todos os seus males.

Em nosso tempo, os cientistas lutam arduamente na busca da cura de algumas doenças, muitas delas consequência do ritmo de vida da sociedade moderna, mas o fazem se apropriando, muita das vezes, dos saberes fitoterápicos acumulados indígenas e da biodiversidade de nossas florestas, sem que isso signifique algum tipo de benefício para a população de modo geral. Ao contrário, sabemos que os beneficiados nessa história são os grandes laboratórios privados e a indústria farmacêutica.

Na Astronomia, uma das ciências mais antiga do mundo, a cultura indígena se faz presente desde os seus primórdios, época que a humanidade buscava no céu os ciclos que pudessem regular suas atividades ligadas à sobrevivência. Eram os sinais do céu que conduziam o preparo para o tempo de trabalhar a terra, semear, colher, pescar, caçar e coletar. Os indígenas até hoje regulam os ciclos de trabalho pelas constelações, que normalmente representam animais típicos da região onde vivem.

Os ciclos são regulados, em sua essência, pelo movimento da Terra ao redor do Sol. Esse movimento produz, entre outras coisas, a sucessão das estações do ano e a consequente variação da radiação solar recebida em uma dada região. As alterações nos aspectos do céu que observamos ao longo do ano, refletem as mudanças de posição da Terra na sua órbita ao redor do Sol e servem de indicadores práticos para as atividades de sobrevivência de muitas culturas.

Quanto aos estudos da Astronomia, para nós, estão quase sempre atrelados ao legado dos estudiosos egípcios ou gregos. No entanto, os indígenas possuem sua Astronomia, com as suas constelações que, como era de se esperar, nada têm em comum com as constelações imaginadas por esses estudiosos na antiguidade.

Na Astronomia indígena, as estrelas e os humanos vivem intimamente conectados. Nessa profunda conexão o céu, seus astros e terra são um só. Para os ticunas, por exemplo, a Lua e o Sol são seres vivos e interferem no destino humano. Esses mitos que integram a cosmovisão explicam o Universo e passam de geração a geração por relatos extraordinários que garantem as diferenças e a exclusividade dos povos indígenas.

Mas infelizmente, hoje, há mais de 500 anos da chegada dos portugueses, a cultura indígena vem sendo subvalorizada e deteriorada junto com as florestas e os rios, devido à invasão de suas terras e deturpação dos seus costumes. Deixam de lado, em nome da “moderna ciência”, muito do que já se conhecia do céu e seus sinais, da flora e da fauna da nossa inigualável biodiversidade, há muito conhecidas por nossos primeiros habitantes. Porém, toda essa riqueza é quase que totalmente desconhecida por grande parte do povo brasileiro, na grandeza dos seus benefícios. Mas não podemos negar que a rica cultura dos povos indígenas nos beneficia com seu legado, que é parte integrante de nossa história.

A Ciência Indígena vem dando sua contribuição na universalização e sistematização do saber com suas tradições milenares. Seus conhecimentos são essencialmente empíricos, por isso, livres de métodos e dogmas fechados e absolutos e se garantem na efetividade prática e nos resultados concretos que acontecem no seu cotidiano. Mas é preciso garantir os territórios tradicionais como condição de possibilidade, para que os povos tenham vida sociocultural plena e possam contribuir com seus conhecimentos ainda mais para o desenvolvimento de todo o povo brasileiro.


[1] De acordo com a UNESCO, “a ciência é o conjunto de conhecimentos organizados sobre os mecanismos de causalidade dos fatos observáveis, obtidos através do estudo objetivo dos fenômenos empíricos”, enquanto “a tecnologia é o conjunto de conhecimentos científicos ou empíricos diretamente aplicáveis à produção ou melhoria de bens ou serviços” (Reis, Dálcio Roberto, “Ciência e Tecnologia” in www.xadrezeduca.com.br/site/h4/). 

[2] O pajé é quem realiza, entre outras coisas, a pajelança, ritual de cura no qual o pajé evoca espíritos de ancestrais ou de animais da floresta para pedir orientação no processo de cura do paciente. Algumas ervas e plantas também podem ser usadas durante o ritual. 

[i] Texto extraído do Livro: 

VICTORIO, João Crispim. Nativos de Pindorama: Conhecer para respeitar é preciso. Rio de Janeiro, RJ Editora Autografia, 2018.

  

Terra vermelha

 

Final de tarde

Ao longo do horizonte

o sol ainda brilha

Terra vermelha

do pobre sangue derramado

por uma gente sofrida...

 

No alto do mastro

no centro do assentamento

a bandeira é movida pelo vento

Hoje sopra diferente

sinal de resistência dessa gente

que segue em frente...

 

O inferno de Dante

Se fez presente entre aquela gente

agora sem vida plena

Explorados fardados

cegamente cumpre as ordens

dos que tem olhos arregalados...

 

Terra prometida

é uma conquista coletiva

pela necessária Reforma Agrária

Ainda hoje estarão comigo

no paraíso dos santos

A luta não foi em vão...

 

            

             Poema de João Crispim Victorio.
                       Livro: Sobre o Trabalho que Falo...(2013)

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Reflexões

Acordei pensando na minha juventude
Muitas reflexões foram surgindo
Tempos sombrios aqueles
Imperava o medo e o silêncio
O cantor era proibido de cantar
o ator de interpretar...
 
As pessoas estavam frias
pareciam robôs de metal
Igual aos filmes infantis
O bem era dominado pelo mal
O sol já não brilhava mais
o universo estava cercado de trevas...
 
Um império foi erguido a força
Quem se manifestasse contra
simplesmente desaparecia
Pessoas foram caladas a bala
da noite para o dia foram milhares
Sistema de morte...
 
Não se trata de ficção
como muita gente ainda acredita
No silêncio imposto sob o verde oliva
só interessava a ordem e o progresso
construídos às custas dos oprimidos
Assim, toda minha geração crescia...
 
Hoje, compreendo a apatia
as questões sociais e políticas
O individualismo descontrolado
o egoísmo sem limites
a sociedade que não participa
de coisas importantes a vida...
 
São desastrosas consequências
deixadas para nós, os sobreviventes
os resistentes aos raios e trovões
A epidemia alienante foi contida
Apesar de causar muitas mortes
deixando fantasmas nos porões...
 
Em respeito aos nossos mártires
aos nossos heróis anônimos
Nem mais um minuto sequer
ficaremos em silêncio
ao contrário marcharemos e gritaremos
Ditadura nunca mais!
 
Poema escrito por João Crispim Victorio / 1990.

sexta-feira, 26 de março de 2021

 

Todo verdadeiro cristão é um comunista sem o saber;
Todo verdadeiro comunista é um cristão sem o crer.
Frei Betto
 
Convicção
 
Sou seguidor de Cristo
bebo, brigo, grito
faço greve e protesto ser for preciso
Saí do deserto direto para o precipício
mas, não vou cometer nenhum suicídio
nem me enganar com o paraíso...
 
Vivo minha vida correndo perigos
Vivo para fazer e dizer
sem querer agradar a você ou ao inimigo
Sou um homem objetivo
tenho minhas profecias
sem medo do novo ou do antigo...
 
Sou alegre para não me ver triste
Observo os movimentos das noites
para praticar melhor meus dias
Faz tempo que desci do muro
Acompanho junto minha namorada
de perto as notícias...
 
Meus planos são de paz
Minhas armas a sabedoria
Não sou o analfabeto classificado por Brecht
Política é uma ciência antiga
Opressão tornou-se doutrina
Já li Marx e ouço Chico
por convicção sou comunista
Seguidor de Cristo...
 
Poema de João Crispim Victorio.
Livro: Sobre Nós que Falo... (2017)

quarta-feira, 24 de março de 2021

Este poema é em protesto a mais de três mil mortes ocorridas em vinte quatro horas, no Brasil. País colocado à deriva por um bando de insanos travestidos de governantes. 


Pandemia 

Tudo ia bem
na nossa Casa Comum
Mas das insistentes violações
nos habitats naturais
ocorreu um grande desequilíbrio
Organismos invisíveis que viviam em paz
foram diretamente atingidos
tiveram interrompidos seus fluxos naturais...
 
A partir dessa ignorância
Talvez ganância humana
que traz o insano desrespeito
a morte se faz presente
de forma intensa entre a gente
exibindo seu mais simples capricho
ceifar os mais velhos experientes
Sem se importar se pobres ou ricos...
 
Também não distingue gênero
muito menos a cor da pele
age segundo sua própria justiça
quer revidar séculos de agressões
assim lança milhões de vírus no ar
estes se alastram na surdina
por entre as pontes por nós construídas
Fazem festa noite e dia...
 
A morte que nos chega
não separa o joio do trigo
tão pouco se deixa dominar
por arrogantes senhores patéticos
fechados em seus caros ternos
luxuosos carros e apartamentos
obtidos às custas dos miseráveis
os ditos cidadãos de bem...
 
A morte vai em frente
a passos largos segue mutando
Agora de forma desigual
mata mais os carentes
aqueles fora do lema positivista
escrito na bandeira nacional
atualmente empunhada por estereotipados
cegos nazi-cristãos negacionistas...
 
                                                         João Crispim Victorio
                                                         Barra do Piraí, 24 de março de 2021

quinta-feira, 4 de março de 2021

A Todas as Mulheres (2)

A todas as mulheres
amarelas, brancas
negras, índias e mestiças
Gordas, magras
altas, baixas, medianas
feias e bonitas...

Estudantes, estudadas
informadas e analfabetas
Casadas, separadas
viúvas, amantes e solteiras...
 
A todas as mulheres
que se viram nas noites
que batalham os dias
Que fazem história
que geram vidas
que somam vitórias...
 
Que vão à luta
que enfrentam o medo
Que ignoram os preconceitos
que assumem seus desejos...
 
A todas estas mulheres
que vão às ruas por seus direitos
empunhando  bandeiras de liberdade
Mulheres honradas
Toda lágrima e sangue derramados
serão reconhecidos de verdade...

 
João Crispim Victorio
Barra do Piraí, 04 de março de 2021

Bíblia: a Escritura Sagrada Inspirada por Deus. João Crispim Victorio – Professor, Especialista em Educação. “Toda Bíblia é comunicação de ...