quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Direitos e deveres, os dois lados da mesma moeda.
João Crispim Victorio[i]

          Tenho observado, ultimamente, o posicionamento das pessoas por todos os lugares por onde tenho passado e percebo que quase todas levam em consideração somente os seus direitos, como se não tivessem deveres a cumprir. Ou seja, como se direitos e deveres não fossem lados de uma mesma moeda. Isso demonstra, neste caso, que vem ocorrendo o mesmo fenômeno que já há muito tempo está em curso no Brasil, a perda ou relaxamento de alguns valores, entre eles: o respeito ao próximo. Valor fundamental para convivência harmoniosa em sociedade. Já que, por natureza o ser humano tem necessidade de se relacionar com os outros.
          Sabemos que todos os brasileiros possuem direitos e deveres, independente da condição social, da etnia ou da religião. No Brasil, país de maioria cristã, há uma interpretação equivocada, tomada ao “pé da letra”, da carta de Paulo aos Filipenses, que faz referencia a condição de estar no mundo, sem ser do mundo: “A nossa cidadania, porém, está lá no céu, de onde esperamos ansiosamente Senhor Jesus Cristo como salvador” (Fl 3:20). Querer separar e afastar as pessoas das discussões políticas, a não ser por interesses escusos de alguns grupos, em nada ajuda a nossa sociedade, formada de cristãos e não cristãos, a cumprir com o dever e a lutar por direitos iguais.
          Os direitos e os deveres estão previstos para todos na Constituição Federal, particularmente, no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I ao V e os mesmos foram estabelecidos de acordo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem[1]. Porém, é importante lembrar que precisamos conhecer nossos direitos e nossos deveres para poder coloca-los em prática diante do Estado. E isso vai se tornar ainda mais necessário perante um Estado que sempre se posicionou de maneira autoritária, conforme podemos confirmar nos nossos quase duzentos anos de República e de lutas de resistências.
          Mas é assim, desse jeito, que vamos construindo e exercitando nossa cidadania e nos tornando cidadãos brasileiros. Fazendo parte de uma sociedade organizada a partir dos direitos e dos deveres individuais e coletivos, sendo assim, não podemos esquecer, jamais, de lutar para que esses direitos sejam respeitados e mantidos iguais para todos e, ao mesmo tempo, temos que ter consciência de cumprir com os nossos deveres para que haja a consolidação da democracia.
          De acordo com a etimologia da palavra cidadania[2], somos cidadãos. Isso significa dizer que temos identidade cultural e territorial que faz valer nossos direitos civis e políticos e nos faz, também, cumprir com os nossos deveres, estabelecidos em lei. Então, somos cidadãos portadores de direitos e de obrigações e para continuar exercendo nossa cidadania plenamente é preciso participar, direta ou indiretamente das conquista e dos direitos e benefícios sociais, que nos tornam todos iguais perante os demais e perante a lei. Princípio fundamental da República[3], conforme o Título I – Dos Direitos Fundamentais, Art. 1°, inciso II da Constituição Federal.
          Abro aqui um espaço para, tentar, desmistificar as Constituições do Brasil[4], já que, nesses mais de quinhentos anos de história e quase duzentos de independência política de Portugal, fomos submetidos a sete Constituições. A primeira, outorgada em 1824, no Brasil Império, foi de inspiração ideológica liberal. A segunda, promulgada em 1891, já no Brasil República, teve origem num golpe de estado dado pelos militares que aderiram ao positivismo de Augusto Comte, pondo fim a monarquia em novembro de 1889. Seu ponto central foi o ideário Republicano Federalista. A terceira foi promulgada em 1934, de caráter democrático, com um colorido social predominante. A quarta Constituição, outorgada em 1937, foi inspirada na Constituição Polonesa, de cunho extremista, tanto de direita, o nazi-fascismo, quanto de esquerda, o comunismo. A quinta foi promulgada em 1946, de pensamento libertário, deu ênfase a área social e dos direitos individuais dos cidadãos, era a volta da democracia ao Brasil. Entretanto, com o golpe militar de 1964, cai o governo democrático de João Goulart, e, em 1967, foi outorgada a sexta Constituição, emendada em 1969, de caráter autoritária, suprimiu os direitos sociais e individuais. Somente em 1988, foi promulgada a atual e sétima Constituição Federal, a chamada Constituição “cidadã”. Considerada a melhor e mais completa norma constitucional de todos os tempos do Brasil, devido sua proteção abrangente aos direitos indígenas, ambientais, entre outros avanços.
          Como podemos observar na história das constituições brasileiras, as mesmas foram outorgadas ou promulgadas[5] e até receberam emendas sob influências trazidas pelas mudanças ideológicas ocorridas no país ou no exterior. A Constituição, nos países Republicanos e democráticos, como o Brasil, por exemplo, é um conjunto de normas reguladoras, ou seja, leis fundamentais que regem a nação. São leis relativas à formação dos poderes públicos, forma de governo, distribuição das competências, direitos e deveres dos cidadãos.
          Nós temos o hábito de fazer comparações entre nossa forma de organização social e a forma de organização social norte americana, claro, somos o tempo todo bombardeados por essa cultura. Isso, como não podia deixar de ser, ocorre, também, em relação a nossa Constituição no sentido de desprestigia-la porque é a sétima enquanto que os Estados Unidos permanece ainda com sua primeira Constituição. Precisamos entender que existem vários fatores de caráter social e político, entre eles a origem da colonização[6], que vão influenciar na formação de ambos os países.
          Mas vamos voltar ao foco principal, a falta de entendimento de algumas pessoas em relação aos direitos e aos deveres que possuem e a dependência de ambos na vida de cada um para a consolidação da cidadania, enquanto uma democracia participativa. Nesse sentido, os direitos e os deveres, que independem da condição social, da cor da pele ou da religião, pois estão previstos na Constituição Federal para todos, mas precisa ser, também, de responsabilidade de todos e, isso, consiste em um esforço conjunto, se quisermos uma sociedade justa e fraterna.
          Falar de sociedade justa e fraterna nos remete aos textos bíblicos e creio que nós, cristãos, temos aqui uma missão a cumprir. É neste mundo que vivemos e por isso temos também responsabilidades como cidadãos na construção do mesmo. Jesus, quando questionado pelos fariseus sobre o pagamento de impostos (Mateus 22:17-21), “É lícito ou não é, pagar imposto a César?", nos diz a posição que devemos ter em relação aos governos. “Mostrem-me a moeda do imposto”. Olhando a moeda perguntou: “De quem é a figura e inscrição nesta moeda?” Eles responderam que era de César. “Então Jesus disse: Pois devolvam a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus". Então, de acordo com a forma de organização da nossa sociedade, é nosso dever pagar impostos. Dar ao governo não porque é do governo, pois a função do dinheiro arrecadado dos impostos não é essa, mas sim, para que o governo redistribua esse dinheiro de forma justa para atender nossos direitos e manter o Estado funcionando.



Rio de Janeiro, 02 de setembro de 2015.
 



[1] Em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na sua Resolução 217A (III), adotou em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que só terá força obrigatória quando for uma convenção firmada por todos os países membros da ONU.
 
[2] A origem da palavra cidadania vem do latim "civitas", que quer dizer cidade. O sentido primeiro do termo cidadania foi utilizado na Roma antiga para significar a situação política de uma pessoa e os direitos que ela possuía e/ou podia exercer. Nesse aspecto cidadania, conforme Dalmo Dalari, "(...) expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo." www.dicionarioetimologico.com.br/cidadania/
 
[3] República (do latim res publica, "coisa pública") é uma estrutura política de Estado ou forma de governo em que são necessárias três condições fundamentais para caracterizá-la: um número razoável de pessoas; uma comunidade de interesses e de fins; e um consenso do direito.
 
[5] Promulgada é a constituição elaborada pelos representantes do povo e outorgada é a constituição imposta ao povo pelo governante.
 
[6] Essa comparação do Brasil com os EUA é questionada por Silva Neto, J.M. em sua dissertação: Retórica da colonização nos livros didáticos de história. UNESA, 2012. Segundo o autor, o modelo colonial inglês não foi melhor do que o modelo colonial português. Essa visão está baseada na tese dualista de ocupação do continente americano: colônias de exploração x colônia de povoamento. Temos os EUA ou os países da Europa como referência, faz parte do censo comum, mas não justifica e nem explica nossa formação histórica.
 
 


[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.

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