Classe trabalhadora: desafios de ontem e de hoje.
João Crispim Victorio*
Um dos desafios da classe trabalhadora contemporânea é, sem sombra de dúvidas, manter seus poucos direitos conquistados por meio das muitas lutas. Direitos que ao longo do tempo vêm sofrendo alterações, nem sempre favoráveis aos trabalhadores. Falo dos que estão na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. Outro desafio é o de manter nosso maior legado, os sindicatos. Já que, os mesmos, desde os anos 30, do século passado, vêm sofrendo descaracterização devido a seu atrelamento ao governo central por meio do Ministério do Trabalho. Temos resistido bem, apesar da tímida participação dos trabalhadores nos seus sindicatos.
Mas é a partir da primeira década do século XXI que estamos enfrentando intensos ataques aos movimentos sociais e entre estes o sindical. Hoje, como podemos ver, as reformas trabalhistas são um duro golpe na classe trabalhadora, pois as mesmas foram elaboradas, segundo os interesses da classe empresarial. O pior é que as reformas estão sendo defendidas pelo poder executivo, em comum acordo com grande parte do poder legislativo e judiciário. Além de que tais reformas são anunciadas pelos meios de comunicação como o único recurso para salvar o país do desemprego e consequentemente da miséria e do atraso. Mas na verdade todas estas manobras têm por objetivo final enriquecer os mais ricos favorecendo ao programa capitalista neoliberal.
Tivemos nossos momentos de esperança durante os últimos 14 anos, mas acredito que cometemos um grande erro ao optar por uma política de inclusão social sustentada, quase que prioritariamente, por um modelo de consumo e não de politização e conscientização da classe trabalhadora. Vimos, muito de perto, o resultado disso, um povo sem entender o processo político pelo qual atravessa, consequentemente se tornando fraco. Por isso, a antiga elite oligárquica e escravocrata brasileira, que agora aposta tudo no capital financeiro[1], apesar de não estar diretamente no comando político, exerce o poder econômico para garantir seus interesses. Logo, organizaram-se e sem muitas resistências deram o golpe de estado, deixando o povo atônito com uma sensação de impotência e de desânimo.
Para nós, trabalhadores da educação, a situação é ainda mais complexa, pois, além de lutar por um sindicato forte e representativo, temos ainda que nos preocupar e estar atentos às propostas de modificação das leis do sistema educacional brasileiro que vêm dessa elite golpista. Estes estão precarizando ainda mais o nosso trabalho através de projetos absurdos de caráter fascistas, como por exemplo, o projeto da Escola Sem Partido. Ele fere de morte nossa sociedade que nos últimos tempos vinha começando a compreender e a vivenciar a democracia como forma de organização social, graças a uma estrutura básica mínima de formação educacional, dos governos Lula e Dilma.
Outros conflitos que devemos levar em consideração estão relacionados com as divisões dos partidos políticos do campo da esquerda e das religiões. No caso dos partidos, parece-me que cada um se ocupa única e exclusivamente com seu projeto salvífico, esquecendo-se, porém, de incluir neles a maioria do povo. Enquanto que os grupos religiosos, principalmente os neopentecostais, vêm construindo, no anonimato e ao longo do tempo, um projeto político de poder para o Brasil, mas, também, deixando de fora o povo.
No geral, tanto os partidos políticos, quanto às denominações religiosas, assim como toda e qualquer organização social, incluindo aqui nossas escolas, são formadas por pessoas que são reflexos de nossa sociedade. Ou seja, homens e mulheres, na sua maioria, egoístas, preconceituosos, corruptos e carentes de uma boa formação acadêmica. Nós professores, sabemos bem das dificuldades que encontramos em nossas escolas para desenvolver alguns trabalhos culturais, particularmente os ligados ao nosso folclore, devido à resistência de alguns alunos e, até mesmo, de alguns professores devido ao baixo capital cultural[2].
Dessa forma, muitos de nós perdem a vontade de participação nos partidos políticos, nos sindicatos ou qualquer outra organização social, principalmente no campo da esquerda. Por outro lado, as igrejas estão cada vez mais cheias de gente sem compromisso com a justiça social ficam esperando que Deus, milagrosamente resolva todos seus problemas. Assim vamos perdendo a identidade histórica e cultural. E um povo sem identidade é um povo fadado a ser facilmente dominado. Não nos enganemos, não sejamos ingênuos e nem subestimemos as organizações religiosas pentecostais e alguns grupos de direita que atuam na frente de alienação e desestruturação social a fim de enfraquecer a luta das esquerdas em nosso país.
Temos muitos desafios a enfrentar enquanto cidadãos, homens e mulheres engajados socialmente por uma nova sociedade justa e solidária. E o primeiro e, a meu ver, o mais importante desafio é a luta que devemos travar em nossas associações partidárias e sindicais com relação às questões de gênero, étnicas e religiosas no intento de nos tornarmos um coletivo, ou seja, começarmos as mudanças em nós mesmos para que cheguemos ao próximo com os nossos bons exemplos.
Rio de Janeiro, 04 de agosto de 2017.
*Professor, Especialista em educação e Poeta.
[1] Capital financeiro é o casamento do capital bancário com o capital produtivo, sendo que o primeiro exerce uma função de dominação em relação ao segundo. Este casamento tem provocado, historicamente, mudanças no padrão de acumulação da economia tanto na esfera mundial, como na esfera local. Ou seja, A dinâmica capitalista foi alterada, o processo de acumulação do capital reconfigurado na lógica dos ganhos especulativos advindos das transações financeiras do que propriamente pela via do financiamento produtivo.
Os principais atores desta estrutura são os bancos e os chamados investidores institucionais. Gente que no passado formavam a antiga elite oligárquica e escravocrata brasileira e que hoje são os maiores investidores nos fundos de pensão, fundos de investimentos, fundos especulativos etc. Na atual conjuntura, isto nos permite compreender a lógica especulativa do capitalismo contemporâneo que em sua totalidade, não tem limites.
[2] Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, numa sociedade de classes a cultura é considerada uma moeda que as classes dominantes utilizam para perpetuar as diferenças. Ou seja, a cultura se transforma em um instrumento de dominação. Diferente de alguns capitais que podemos acumular, o capital cultural acumulamos na educação, por meio dos conhecimentos apreendidos em geral.
O processo de acumulação do capital cultural se inicia na infância com os pais incentivando o hábito da leitura em seus filhos dedes pequenos. Assim, seus filhos saem em vantagem, já que tiveram contato com a literatura desde cedo. Então, segundo o sociólogo, o ensino não é transmitido da mesma forma para todos os alunos como a escola faz parecer. Os alunos dás classes sociais mais favorecidas têm em seus processos de aprendizagem uma certa vantagem em relação aos das classes menos favorecidas. Pois frequentam museus, cinemas, exposições de artes, saberes e informações que são acessíveis.
Nesse sentido, a classe dominante impõe a classe dominada sua própria cultura. Bourdieu chamou esse fenômeno de arbitrário cultural dominante. Ou seja, uma cultura se impondo sobre outra.