Direitos
Humanos, Direitos Constitucionais e Questões
Indígenas no Brasil
João Crispim Victorio[1]
Na
história da humanidade a primeira declaração dos direitos humanos é atribuída a
Ciro, rei da antiga Pérsia. Ciro
conquistou a cidade da Babilônia (539 a.C.), libertou os escravos e declarou por
meio de um documento que todas as pessoas teriam direito a liberdade religiosa,
estabelecendo igualdade entre o povo. Essa ação do rei Ciro, espalhou-se ao
longo do tempo, com isso, foram surgindo outras iniciativas que afirmava os
direitos individuais da pessoa, em forma de documentos.
Durante
os séculos XVII e XVIII, com o protagonismo do Iluminismo, movimento cultural que se desenvolveu na Europa, ocorreram grandes eventos que
culminaram na Declaração dos Direitos Humanos que conhecemos hoje. Em 1628,
surgiu a Petição de Direito, documento
elaborado pelo parlamento Inglês e enviado a Carlos I como uma declaração
de liberdades civis. Em 1776, temos a Declaração dos Direitos Individuais
consolidando a independência do Estados Unidos e em 1789, com a Revolução
Francesa é elaborado a histórica Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esses documentos são os precursores
da Declaração Universal do Direitos Humanos de 1948.
A
Declaração de 1948[2],
nasce da necessidade de se evitar que violações aos direitos individuais,
conforme as cometidas por governantes fascistas durante a Segunda Guerra
Mundial, não aconteçam novamente. O documento assinado por 192 países membros,
foi elaborado por uma comissão da Organização das Nações Unidas – ONU,
organização criada logo após o fim dos conflitos com o objetivo de preservar a
paz em todas as nações. Esse documento é usado, mesmo sem força de lei, como
base para elaboração de constituições e tratados internacionais.
Como
vimos a Declaração Universal dos Direitos Humanos consiste em um documento de
garantias aos direitos universais a todo e qualquer cidadão, independente de
classe social, etnia, gênero, nacionalidade ou posicionamento político. Tais
direitos como o de não ser escravizado, de ser tratado com igualdade perante as
leis, de ter liberdade a expressão religiosa, ao pensamento e participação
política. Direito ao lazer, a educação, a cultura e o trabalho livre e
remunerado, na verdade, foram construídos ao longo da nossa história. Então, o
que temos é o resultado de muitas lutas atuais e do passado para que questões
específicas, importantes e necessárias em cada período histórico, chegassem até
nós hoje.
Segundo a
ONU, os direitos humanos são “garantias jurídicas universais
que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que
atentem contra a dignidade humana”. Entre outros, são exemplos de
direitos humanos o direito à vida,
à integridade física, à dignidade. Mas será mesmo que no
Brasil somos cidadãos de direitos? Será que nosso país, na prática, respeita
nossos direitos universais, independente de classe social, etnia, gênero ou
posicionamento político? Para responder a estas questões vamos analisar na
história do Brasil a trajetória da “evolução” dos Direitos Humanos.
Tomarei por
base, aqui, as garantias dos direitos políticos e civis
em algumas das Constituições brasileiras. Por ser esta a Lei maior do país e,
na maioria das vezes, fundamentada na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, garantindo especificamente que os direitos sejam fundamentais ao
cidadão. A Constituição Imperial de 1824, segundo, Isabela
Souza[3]: “ainda que o poder estivesse concentrado nas mãos do
imperador. O objetivo era garantir principalmente a liberdade, a segurança
individual e a propriedade.” Claro que para os
afortunados da época. Já os escravos, conforme Isabela Souza: “eram tratados como produto e propriedade do senhor. As
violências sofridas por estas pessoas, com a perda de liberdade, desrespeito
à sua integridade física e a perda da própria vida foram nitidamente um
desrespeito aos direitos humanos.” Para
Cunha,
(2012, p. 82 e 83). Muitos desses
escravos eram índios[4].
Na Constituição de 1891, já no período republicano,
segundo, Isabela Souza: “foi garantido o sufrágio direto para eleição
de deputados, senadores, presidente e vice-presidente. Mas o sufrágio não era
universal, já que impedia o voto de mulheres, mendigos e analfabetos. Esta
constituição defendia os princípios de liberdade, igualdade e justiça.” Se
deixaram de fora as mulheres e os analfabetos podemos, então, concluir que
entre estes estavam os índios e os negros. Ainda Isabela de Souza: “Entre algumas medidas dessa Constituição estão
o direito à plena liberdade religiosa, à defesa ampla aos acusados, direito à
livre associação e reunião, sem contar a criação do habeas corpus, como forma de
remediar casos de violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.”
A Constituição de 1934, que só vigorou por três
anos, nasceu como consequência da revolução constitucionalista de 1932. Segundo,Isabela Souza, nesta Constituição “foram estabelecidos algumas concepções de segurança ao
indivíduo, como proteção ao direito adquirido, proibição da prisão por dívidas,
criação da assistência judiciária aos necessitados (que até hoje acontece em
muitos estados brasileiros) e a obrigatoriedade de comunicação imediata ao juiz
competente sobre qualquer prisão ou detenção.” Esta Constituição, também, instituiu diversas
garantias ao trabalhador e ganhos em direitos sociais, melhorando e diminuindo
consideravelmente o fosso entre o trabalhador e o sistema capitalista.
Mas como tudo que é bom dura pouco, em 1937, tem
início o Estado Novo, período que vai até 1945. Esse período foi marcado pelo
abandono dos direitos humanos. Ocorre o fechamento do Congresso e a proibição
de funcionamento de quase todos os partidos políticos. No Estado Novo passa a
vigorar a Constituição de 1937, que segundo Isabela Souza:
Tinha influências fascistas e autoritárias. Na
época, foi criado um Tribunal de Segurança Nacional, com competência para
julgar qualquer crime contra a segurança do Estado. O governo assumiu amplo
domínio sobre o Poder Judiciário e foram nomeados diversos interventores nos
estados federativos.
Em meio a este cenário problemático, os direitos
fundamentais foram enfraquecidos e esquecidos, sobretudo por causa da Polícia
Especial e do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que censurava as
comunicações orais e escritas, inclusive em correspondências.
Este cenário
só muda a partir de 1946, quando
chega ao fim o Estado Novo. A Constituição de 1946, restaura os direitos e as
garantias, além de ampliá-los. Só que essas melhorias não duraram muito tempo,
pois, o desrespeito aos direitos fundamentais vai reaparecer em 1964, com a
deflagração de um golpe militar, que tem início em abril de 1964 e vai até
1985. Esse período é marcado por um sistema de centralismo e autoritarismo, que
resultou em sérias consequências aos direitos fundamentais dos cidadãos
brasileiros. Houve fechamento do Congresso Nacional, cassação dos direitos
políticos dos opositores, extinção de partidos políticos e a criação do Serviço
Nacional de Informações (SNI), a polícia política.
Somente com a Constituição de 1988, considerada
como de grande avanço jurídico e, também, social, já que garante os direitos fundamentais
a todos os cidadãos, incluindo os originários da terra[5], como podemos constatar logo no primeiro artigo
que estabelece os princípios da cidadania, da dignidade da pessoa humana e os
valores sociais do trabalho. Assim, como no artigo 5º onde é estabelecido o
direito à vida, à privacidade, à igualdade, à liberdade, entre outros os mais
importantes direitos fundamentais individuais e coletivos. Porém, apesar dos
direitos fundamentais serem resguardados pela atual Constituição, há décadas
após a sua promulgação, ainda existem muitas dificuldades em tirar alguns
desses princípios do papel. Principalmente os que estão ligados as questões das
terras indígenas.
O
Brasil votou a favor da Declaração da ONU sobre os Direitos do Povos Indígenas.
No plano nacional, até o momento, os instrumentos internacionais têm sido
aplicados para proteger os direitos dos povos indígenas, suas terras e recursos
naturais nelas encontrados, tal como dispõe o artigo 231 da nossa Constituição
Federal[6]. No entanto, na prática, os direitos
humanos dos povos indígenas ainda enfrentam inúmeros problemas de ordem
política, social e econômica. Além dos problemas relacionados ao preconceito.
Nos últimos anos as comunidades indígenas, por meio de suas organizações ou
organizações parceiras, tem acessado o sistema internacional de direitos
humanos para fazer valer seus direitos fundamentais. Pois acreditam ser o
Brasil o seu Estado e por essa razão buscam igualdade de tratamento e de
direitos enquanto cidadãos brasileiros.
Sabemos,
e é notório, que o Brasil vive em um estado permanente de violação dos
direitos humanos. O
ex-presidente da República[7] que governou o país nos últimos dois anos (2016 –
2018) tentou jogar para o legislativo, com o objetivo de facilitar a invasão
das terras indígenas pelos grandes e médios fazendeiros, os donos do
agronegócio, a responsabilidade, até então sua, de realizar as demarcações das
terras indígenas[8]. Já o atual presidente da República[9], em um de seus primeiros atos destinou ao
Ministério da Agricultura uma das principais atividades da Fundação Nacional do
Índio – FUNAI, a função de realizar as demarcações das terras indígenas. Com
esta ação as demarcações passam ser de responsabilidade dos maiores
interessados nas terras indígenas, os ruralistas[10].
Parte importante
da sociedade, a grande maioria, aquela formada por índios[11], negros, pobres e trabalhadores, ou seja, a massa
oprimida e excluída, principal vítima das violações dos direitos humanos,
parece que aos poucos está despertando e querendo sair do comodismo do berço
esplêndido. Como podemos verificar com as mobilizações que vêm se multiplicando
nas periferias, nas favelas e nas ruas dos grandes centros urbanos, para
reivindicar os direitos negligenciados pelo poder público.
O Brasil ao ratificar tratados
multilaterais de direitos humanos, reconhece seus princípios humanitários e se
compromete a implementar e protege-lo. Nesse sentido, fica assegurado a todos
os brasileiros, homens, mulheres, jovens e crianças, independentemente da cor
da pele ou da etnia, o direito à vida, à segurança social, à educação e a
saúde. Então como podem explicar que crianças, de modo geral, vivam e cresçam sem acesso
à educação, à saúde, à cultura e ao lazer? Pior, que muitas delas são
responsáveis pelo sustento da família, trabalhando escravizadas nos subempregos
ao invés de estarem na escola.
Acredito só ser possível construir um país
digno, ou seja, com todos os direitos fundamentais dos cidadãos respeitados,
quando alcançarmos o Bem-Viver, modo
de vida da maioria dos povos originários. Isso significa viver em comunhão com
o outro e com a mãe Terra. Para tanto, precisamos aprender a esperançar e a
perseverar como nossos irmãos Guarani. Encarar de frente os problemas sociais,
políticos e econômicos e ir em busca da “Terra
sem Males”. Sendo assim, conforme, José Ricardo Cunha e Nadine Borges[12], devemos lembrar que: “a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 é
um patrimônio de toda a humanidade e de cada indivíduo. Os direitos ali
declarados são direitos de cada um e de todos; das gerações presentes e das
gerações futuras que não obstante ainda inexistentes reclamam de nós o
comportamento ético necessário à preservação da vida no planeta.” Nesse
sentido, não se pode conferir um só direito sem o outro e somente com a garantia
de um direito é que se faz avançar os demais. Já a privação de um desses
direitos viola todo o conjunto dos direitos humanos.
Referências:
Disponível em <https://pib.socioambiental.org/pt/Povos
ind%C3%ADgenas e os direitos humanos> acesso
em 30/03/2019.
Disponível
em <https://anistia.org.br/o brasil e ameaca aos direitos dos
povos indigenas/>
acesso em 30/03/2019.
Disponível
em <https://gife.org.br/brasil caminha na contramao dos
compromissos assumidos na declaracao da onu sobre direitos indigenas/> acesso em 30/03/2019.
[1] Professor, Especialista em Educação e Poeta. Autor do livro: Nativos de Pindorama: conhecer para respeitar é preciso. Editora Autografia, 1ª edição, Rio de Janeiro, 2018.
[2] Direitos humanos são
os direitos fundamentais inerentes a todos os seres humanos independentemente
de sua nacionalidade, sexo, origem étnica ou nacional, cor, religião, ou
qualquer outro status.
As
definições dos direitos humanos estão sempre em constante construção, por isso
são chamados de direitos históricos, uma vez que correspondem a valores que vão
se tornando fundamentais ao longo do tempo. Normalmente, seu reconhecimento é
fruto de muita luta e reivindicação de setores que se organizam para obter esta
conquista.
[3] Disponível em <https://www.politize.com.br/direitos
humanos o que sao/>
acesso em 30/03/20019.
[4] CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e
Cidadania. Coleção Agenda Brasileira, 1ª edição - São Paulo, 2012.
[5] Na Constituição
de 1988, os direitos dos índios estão expressos em
capítulo específico (Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios) com preceitos que asseguram o
respeito à organização social, aos costumes, às línguas, crenças e tradições.
[6] Artigo 231: "São reconhecidos aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens."
[7] Presidente Michel Temer.
[8] Terra Indígena (TI) é uma porção do território nacional, de
propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas, por ele(s) utilizada para
suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e necessária à sua reprodução física e
cultural, ...
[9] Presidente Jair Bolsonaro.
[10]Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/bolsonaro retira da funai a demarcação de terras
indigenas.shtml> acesso em 30/03/20019.
[11]O
poder econômico tem ameaçado os direitos
de povos indígenas no Brasil. ... Os indígenas sofrem discriminação, privações e ameaças, seu direito constitucional as
suas terras ancestrais são
violadas, e o governo tem falhado em garantir sua segurança e direitos.
[12] CUNHA, José Ricardo
(Org). Direitos Humanos e Poder
Judiciário no Brasil. FGV, 2ª
edição, Rio de Janeiro, 2010.
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