domingo, 18 de abril de 2021

A Ciência Indígena[i]

Uma reflexão para o momento atual de pandemia, de negacionismo e de desgoverno por que passa o povo brasileiro. 

19 de abril, Dia dos povos originários da Terra. 

Viva os Índios do Brasil e de todo o Mundo!!! 

Os povos indígenas brasileiros possuem uma longa história que se inicia há milhares de anos antes da chegada dos colonizadores portugueses. Isso significa que esses povos têm conhecimentos acumulados que lhes possibilitaram, como qualquer outra civilização humana, a se desenvolverem de forma equivalente. Os saberes indígenas foram gerados a partir de milhares de anos de observações e experiências empíricas compartilhadas no intuito de garantir o modo específico de vida. É necessário fazer essa constatação para desconstruir a ideia preconceituosa de que os índios precisam dos brancos para viver, pois seriam incapazes de assegurar a própria sobrevivência.

Os conhecimentos científicos e tecnológicos da sociedade moderna são importantes e devem ser também utilizados para aperfeiçoar e melhorar as condições de vida das muitas comunidades indígenas, o que não significa dizer que sem tais conhecimentos os índios não conseguiriam sobreviver. Os saberes indígenas, diferentemente dos nossos, estão ligados à percepção e à compreensão da natureza e é organizado a partir da cosmologia ancestral que garante e sustenta a possibilidade de vida. Nesse sentido, os saberes se manifestam em todos os momentos da vida cotidiana do povo indígena.

Para nós, os não índios, ciência[1] é uma palavra que deriva do latim “scientia” e significa conhecimento ou saber. Atualmente se designa por ciência todo o conhecimento que abarca teorias e leis gerais obtidas e testadas por meio do método científico. A ciência, na verdade, comporta um conjunto de saberes com teorias elaboradas nas suas próprias metodologias. Neste conjunto de saberes, temos as Ciências Humanas e as Ciências da Natureza que, obrigatoriamente, descrevem, ordenam e comparam os fenômenos naturais determinando as relações existentes entre eles, formulando leis e regras. Podemos distingui-las como Ciências Exatas: física e química e Ciências Descritivas: biologia, geologia, medicina, entre outras.

Para os indígenas, o acesso ao saber científico está ao alcance de todos, são conhecimentos públicos, embora sejam respeitadas as competências e as aptidões individuais como as de domínio do pajé[2]. A metodologia da ciência indígena é a visão da totalidade do mundo e está baseada nas dimensões do espírito e do corpo. A natureza é a fonte de todo o conhecimento e não o homem, por isso, o indivíduo deve buscar compreender e conhecer ao máximo o seu funcionamento para desvendá-la, compreendê-la, aceitá-la e contemplá-la.

O povo brasileiro, que aos poucos foi se formando, possui influências das culturas e dos saberes dos povos indígenas nos costumes, na alimentação, no vocabulário, nas artes e nas ciências. Mas, infelizmente, apesar da consciência indígena e das leis favoráveis à proteção dos conhecimentos tradicionais, muitos saberes e costumes estão desaparecendo diante da pressão da cultura dominante e da globalização. Entre as ciências, destacamos aqui apenas as da natureza por meio das medicinais e das astrológicas, como exemplos da importante contribuição indígena no desenvolvimento científico brasileiro.

Nas ciências medicinais, se apresenta a fitoterapia, palavra que derivada do grego e significa cura pelas plantas, ou seja, é a ciência que utiliza as plantas para o tratamento e prevenção de várias doenças. A fitoterapia é uma ciência que existe há muitos séculos. Os indígenas, muito antes da chegada dos portugueses, que encontraram aqui exuberante flora e fauna, já a utilizava, por meio das raízes, flores, folhas, cascas e sementes, na prevenção e na cura de todos os seus males.

Em nosso tempo, os cientistas lutam arduamente na busca da cura de algumas doenças, muitas delas consequência do ritmo de vida da sociedade moderna, mas o fazem se apropriando, muita das vezes, dos saberes fitoterápicos acumulados indígenas e da biodiversidade de nossas florestas, sem que isso signifique algum tipo de benefício para a população de modo geral. Ao contrário, sabemos que os beneficiados nessa história são os grandes laboratórios privados e a indústria farmacêutica.

Na Astronomia, uma das ciências mais antiga do mundo, a cultura indígena se faz presente desde os seus primórdios, época que a humanidade buscava no céu os ciclos que pudessem regular suas atividades ligadas à sobrevivência. Eram os sinais do céu que conduziam o preparo para o tempo de trabalhar a terra, semear, colher, pescar, caçar e coletar. Os indígenas até hoje regulam os ciclos de trabalho pelas constelações, que normalmente representam animais típicos da região onde vivem.

Os ciclos são regulados, em sua essência, pelo movimento da Terra ao redor do Sol. Esse movimento produz, entre outras coisas, a sucessão das estações do ano e a consequente variação da radiação solar recebida em uma dada região. As alterações nos aspectos do céu que observamos ao longo do ano, refletem as mudanças de posição da Terra na sua órbita ao redor do Sol e servem de indicadores práticos para as atividades de sobrevivência de muitas culturas.

Quanto aos estudos da Astronomia, para nós, estão quase sempre atrelados ao legado dos estudiosos egípcios ou gregos. No entanto, os indígenas possuem sua Astronomia, com as suas constelações que, como era de se esperar, nada têm em comum com as constelações imaginadas por esses estudiosos na antiguidade.

Na Astronomia indígena, as estrelas e os humanos vivem intimamente conectados. Nessa profunda conexão o céu, seus astros e terra são um só. Para os ticunas, por exemplo, a Lua e o Sol são seres vivos e interferem no destino humano. Esses mitos que integram a cosmovisão explicam o Universo e passam de geração a geração por relatos extraordinários que garantem as diferenças e a exclusividade dos povos indígenas.

Mas infelizmente, hoje, há mais de 500 anos da chegada dos portugueses, a cultura indígena vem sendo subvalorizada e deteriorada junto com as florestas e os rios, devido à invasão de suas terras e deturpação dos seus costumes. Deixam de lado, em nome da “moderna ciência”, muito do que já se conhecia do céu e seus sinais, da flora e da fauna da nossa inigualável biodiversidade, há muito conhecidas por nossos primeiros habitantes. Porém, toda essa riqueza é quase que totalmente desconhecida por grande parte do povo brasileiro, na grandeza dos seus benefícios. Mas não podemos negar que a rica cultura dos povos indígenas nos beneficia com seu legado, que é parte integrante de nossa história.

A Ciência Indígena vem dando sua contribuição na universalização e sistematização do saber com suas tradições milenares. Seus conhecimentos são essencialmente empíricos, por isso, livres de métodos e dogmas fechados e absolutos e se garantem na efetividade prática e nos resultados concretos que acontecem no seu cotidiano. Mas é preciso garantir os territórios tradicionais como condição de possibilidade, para que os povos tenham vida sociocultural plena e possam contribuir com seus conhecimentos ainda mais para o desenvolvimento de todo o povo brasileiro.


[1] De acordo com a UNESCO, “a ciência é o conjunto de conhecimentos organizados sobre os mecanismos de causalidade dos fatos observáveis, obtidos através do estudo objetivo dos fenômenos empíricos”, enquanto “a tecnologia é o conjunto de conhecimentos científicos ou empíricos diretamente aplicáveis à produção ou melhoria de bens ou serviços” (Reis, Dálcio Roberto, “Ciência e Tecnologia” in www.xadrezeduca.com.br/site/h4/). 

[2] O pajé é quem realiza, entre outras coisas, a pajelança, ritual de cura no qual o pajé evoca espíritos de ancestrais ou de animais da floresta para pedir orientação no processo de cura do paciente. Algumas ervas e plantas também podem ser usadas durante o ritual. 

[i] Texto extraído do Livro: 

VICTORIO, João Crispim. Nativos de Pindorama: Conhecer para respeitar é preciso. Rio de Janeiro, RJ Editora Autografia, 2018.

  

Terra vermelha

 

Final de tarde

Ao longo do horizonte

o sol ainda brilha

Terra vermelha

do pobre sangue derramado

por uma gente sofrida...

 

No alto do mastro

no centro do assentamento

a bandeira é movida pelo vento

Hoje sopra diferente

sinal de resistência dessa gente

que segue em frente...

 

O inferno de Dante

Se fez presente entre aquela gente

agora sem vida plena

Explorados fardados

cegamente cumpre as ordens

dos que tem olhos arregalados...

 

Terra prometida

é uma conquista coletiva

pela necessária Reforma Agrária

Ainda hoje estarão comigo

no paraíso dos santos

A luta não foi em vão...

 

            

             Poema de João Crispim Victorio.
                       Livro: Sobre o Trabalho que Falo...(2013)

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Reflexões

Acordei pensando na minha juventude
Muitas reflexões foram surgindo
Tempos sombrios aqueles
Imperava o medo e o silêncio
O cantor era proibido de cantar
o ator de interpretar...
 
As pessoas estavam frias
pareciam robôs de metal
Igual aos filmes infantis
O bem era dominado pelo mal
O sol já não brilhava mais
o universo estava cercado de trevas...
 
Um império foi erguido a força
Quem se manifestasse contra
simplesmente desaparecia
Pessoas foram caladas a bala
da noite para o dia foram milhares
Sistema de morte...
 
Não se trata de ficção
como muita gente ainda acredita
No silêncio imposto sob o verde oliva
só interessava a ordem e o progresso
construídos às custas dos oprimidos
Assim, toda minha geração crescia...
 
Hoje, compreendo a apatia
as questões sociais e políticas
O individualismo descontrolado
o egoísmo sem limites
a sociedade que não participa
de coisas importantes a vida...
 
São desastrosas consequências
deixadas para nós, os sobreviventes
os resistentes aos raios e trovões
A epidemia alienante foi contida
Apesar de causar muitas mortes
deixando fantasmas nos porões...
 
Em respeito aos nossos mártires
aos nossos heróis anônimos
Nem mais um minuto sequer
ficaremos em silêncio
ao contrário marcharemos e gritaremos
Ditadura nunca mais!
 
Poema escrito por João Crispim Victorio / 1990.

Bíblia: a Escritura Sagrada Inspirada por Deus. João Crispim Victorio – Professor, Especialista em Educação. “Toda Bíblia é comunicação de ...