por Wálter Maierovitch — CartaCapital publicado
05/10/2013 06:08
Preocupa o tratamento
diverso dado aos dois “mensalões”. Não precisa ser operador do Direito para
perceber as diferenças, sem entrar no mérito de condenações e absolvições. Na
Ação Penal 536, os tucanos procuraram reduzir danos e difundiram a expressão mensalão
mineiro. Como os partidos políticos, pela Constituição, têm “caráter nacional”
e são unos, não cabe adjetivar de mineiro. Portanto, mensalão tucano.
O mensalão tucano
voltou-se à reeleição do então governador mineiro Eduardo Azeredo em 1998. No
“mensalão petista” houve contrafação delinquencial, pois, no quesito
originalidade, a primazia ficou com o mensalão tucano. O operador dos dois
esquemas era o mesmo, o empresário Marcos Valério. Agora, no quesito compra de
consciências, os tucanos caíram na recidiva. Antes da recaída houve compra de
votos de parlamentares que propiciaram alteração constitucional para permitir a
reeleição presidencial de Fernando Henrique Cardoso.
Essa compra de votos
não deu em nada e triunfou, com o prêmio da impunidade, o pactum sceleris
de quadrilheiros que propiciou a candidatura de FHC, o qual, nas urnas e em
eleições livres, conquistou o segundo mandato. Esse quadro de compra de voto
parlamentar não sensibilizou o então procurador-geral da República da época,
Geraldo Brindeiro. Nem se cogitou da teoria do domínio do fato, que, no Brasil,
está recepcionada com o título de codelinquência e se apoia em regra expressa
do Código Penal: “Quem concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas”.
No particular, havia indícios com lastro na suficiência a autorizar uma opinio
delicti por parte do Ministério Público.
Com efeito, e em
termos de tramitação processual, a Ação Penal 536 no STF move-se, com se diz no
popular e com ironia, em ritmo de “lesma reumática”. Dos dois lados desses
graves e semelhantes sistemas delinquenciais com hierarquias, instituições
bancárias coniventes, dinheiro público, lavagem de capitais e ofensa à ordem
democrática, financeira e tributária, são apontados como protagonistas o atual
deputado Eduardo Azevedo e o ex-ministro, já condenado, José Dirceu.
Azeredo goza de foro
privilegiado junto ao Supremo Tribunal Federal e os copartícipes do mensalão
tucano, sem prerrogativa de função, respondem em grau inferior de jurisdição.
No “mensalão petista”, ao contrário, o STF decidiu pelo processo único em face
de conexão probatória, algo, por evidente, também presente no mensalão tucano.
Assim, José Dirceu e a raia miúda que não gozaria de foro privilegiado como
regra restaram, pela vis atrativa, julgados pelo próprio STF.
No desmembrado
processo do mensalão tucano, pela primeira instância da Justiça Federal e foro
de Belo Horizonte, acabou de ser condenado, por crimes gestão fraudulenta e
temerária de instituição financeira, Nélio Brant Magalhães, ex-diretor do Banco
Rural. Sem a polêmica havida no “mensalão petista” e levantada pelo
ex-procurador Roberto Gurgel, o réu Nélio vai, consoante remansosa e suprema
jurisprudência, apelar ao Tribunal Regional Federal em liberdade.
O réu também poderá,
posteriormente, bater às portas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do STF.
Terá, assim, garantido o duplo grau de jurisdição. Algo impossível aos
condenados na Ação Penal 470. No STF e na Ação Penal 470 só teremos reexame e a
alcançar as imputações onde foram lançados quatro ou mais votos absolutórios:
embargos infringentes.
Não bastasse, surgiu
uma novidade absoluta. O ministro Luiz Fux, relator sorteado, sustenta, como
informado pelos jornais, que pretende limitar os embargos infringentes à
discussão de teses e não à reavaliação das provas. Tudo como se estivessem os
ministros em sede de edição de súmulas vinculantes ou numa academia de letras
jurídicas. E os embargos infringentes, desde a sua origem nas ordenações do
reino, têm natureza de reconsideração da condenação, com reexame amplo da prova
e da adequação penal tipificada em lei.
Por outro lado, o
ministro Joaquim Barbosa não cumpriu a promessa de colocar em pauta de
julgamento a Ação Penal 536. Depois de eleito presidente, declinou da relatoria
com apoio no Regimento Interno e passou os autos ao ministro Roberto Barroso.
Como se percebe, a
raia miúda do mensalão tucano foi julgada, em primeira instância, mais
rapidamente que o detentor de foro privilegiado Eduardo Azevedo, que nega a
autoria e se esforça para manter a velha imagem de Catão das Alterosas.
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