sábado, 7 de novembro de 2015


Ciência e Tecnologia, a serviço de quem?
João Crispim Victorio[i]

             Antes de qualquer coisa é preciso compreender o conceito e a evolução da Ciência e da Tecnologia dentro de um contexto histórico, social e ideológico, próprio da evolução humana. Dessa maneira iremos perceber que Ciência e Tecnologia caminham juntas, mas nem sempre dependente uma da outra; que quanto mais avançado em Ciência e Tecnologia for um determinado país, mais poder exercerá sobre os outros e, por fim, para a Ciência e a Tecnologia acontecerem são necessários investimentos, por um lado, intelectual, capacidade de criação do ser humano e, por outro, financeiro, pois no modelo político-ideológico que vivemos, sem o dinheiro, não há crescimento científico e tecnológico.
A palavra ciência deriva do latim "scientia" que significa conhecimento ou saber. Atualmente se designa por ciência todo o conhecimento que abarca teorias e leis gerais obtidas e testadas por meio do método científico. A Ciência, na verdade, comporta um conjunto de saberes com teorias elaboradas nas suas próprias metodologias. Dentre esse conjunto de saberes temos as Ciências da Natureza que descrevem, ordenam e comparam os fenômenos naturais determinando as relações existentes entre eles, formulando leis e regras. Podemos distingui-las como Ciências Exatas: física e química e Ciências Descritivas: biologia, geologia, medicina, entre outras.
Já a palavra tecnologia tem sua origem no grego “τεχνη” e “λογια” que significam ofício e estudo respectivamente, ou seja, o termo envolve conhecimento técnico e científico. Então, tecnologias são métodos elaborados para melhorar o funcionamento dos mecanismos de produção visando tornar mais rentáveis os investimentos e isso compreende desde as ferramentas mais simples até as mais complexas. Sendo assim, podemos definir tecnologia como sendo a aplicação do conhecimento científico por meio do estudo sistemático das técnicas para fabricar e fazer coisas conseguindo um melhor resultado prático. Portanto, isso demonstra que a Tecnologia está intimamente ligada a Ciência e ambas se completam para dinamizar a vida no mundo[1].
A religião, refiro-me aqui ao cristianismo, durante todo o processo de evolução humana, além das Ciências e das Tecnologias, torna-se um fator que merece destaque devido sua influência e interferência na vida e na história humana. A Bíblia, por exemplo, não é um livro científico, mas fala de ciência e está de acordo com fatos científicos bem diferentes das crenças de alguns povos que viviam na época em que algumas de suas histórias saíram da oralidade e ganharam a forma da escrita. Comparando com a periodização clássica da historiografia as histórias biblicas acontecem dentro do período que chamamos de História Antiga, em dois momentos. O primeiro, Antigo Testamento, de 1900 a.C. até o ano 1 da era cristã e o segundo, Novo Testamento, tem seu início a partir do nascimento, da trajetória, da morte de Jesus Cristo e seus discípulos, ou seja, até os anos 70 d.C.
Vejamos alguns exemplo dos relatos bíblicos[2] que demonstram, de forma interessante, essa ligação entre Ciência e Religião. Vamos iniciar esta tarefa com a questão do Universo:  segundo o livro de Gênesis o Universo tem uma criação (Gn1, 1). No entanto, para alguns povos antigos o Universo não foi criado e sim nascido de deuses e os seres humanos eram vítimas das ações imprevisíveis desses deuses,  sabemos, pois, que  o Universo é governado por leis naturais e não por caprichos dos deuses, conforme relatos no livro de Jó (Jó 38, 33) e de  Jeremias (Jr 33, 25); A Terra é suspensa no espaço vazio, conforme, Jó (Jó 26, 7). Porém, alguns povos antigos acreditavam que a Terra era achatada e se apoiava em um búfalo ou em uma tartaruga; ainda de acordo com Jó (Jó 36, 27-28) e, também, Eclesiastes (Ecl 1, 7) , entre alguns outros livros biblicos, a água evapora e cai em forma de chuva, alimentando os rios e os mares. Os povos antigos acreditavam e até o século 18, ainda se acreditava que eram as águas dos oceanos subterrâneos que alimentavam os rios; algumas práticas de higiene são relatadas em Levítico (Lev 11, 28 e 13, 1-5) e Deuteronômio (Deu 23, 13), regulamentando ao povo de Israel procedimentos corretos depois de tocar num cadáver, isolar pessoas com doenças infecciosas e eliminar fezes humanas de forma segura. Nessa  época os egípcios tratavam as feridas com excremento humano.
Com esses poucos exemplos citados já é possível verificar que a evolução da humanidade sempre esteve diretamente ligada ao tripé: Religião , Ciência e Tecnologia. Hoje sabemos que ao longo dessa evolução muitos cientistas, alguns deles divididos entre Ciência e Religião, tiveram importante participação, mesmo durante a tenebrosa inquisição. Pois, suas descobertas possibilitaram o progresso da vida humana em sociedade e muitas das transformações sociais se deram devido ao avanço científico que desde os primórdios da nossa história, principalmente, a partir da descoberta, do uso e da reprodução do fogo, assim como o uso de um simples galho de árvore para ampliar o braço humano e derrubar uma fruta, vem ocorrendo. Ou seja, podemos dizer que nos distintos períodos da história que antecederam a Revolução Científica[3], na Europa do início no século 17, vimos uma ciência voltada para os conhecimentos que poderiam explicar o Universo e seus fenômenos naturais e já nos períodos pós Revolução Científica veremos a consolidação do que se convencionou chamar Ciência Moderna. O embrião da Revolução foi a Renascença italiana, que apesar da posição contrária da Igreja Católica foi em frente e no início do século 18, toma forma o método científico, que passaria ser aplicado na busca de explicação dos fenômenos da natureza. Aqui dois personagens se destacaram Francis Bacon e René Descartes.
Nesse sentido, podemos concluir que a evolução da Ciência e da Tecnologia, ao longo da história da humanidade, transita por três fases distintas, até tornarem-se indissociáveis e, por que não dizer, centro da incansável busca pelo progresso humano. Tomaremos por base, para essas divisões em fases, a Revolução Industrial ou, segundo alguns historiadores, Revolução Tecnológica, que teve início na Inglaterra de 1740, século 18. Revolução esta que acontece devido aos avanços científicos e tecnológicos da época, pois, possibilitaram a introdução das máquinas no processo produtivo. A introdução da mecanização na produção, até então artesanal, dá origem as fábricas e por consequência inicia-se um modelo de organização do trabalho, agora de forma intensiva. Dessa forma podemos concluir que a primeira fase da evolução da Ciência e da Tecnologia ocorre no período que antecede a Revolução Industrial. A segunda fase acontece no período que vai da Revolução Industrial até a Segunda Guerra Mundial, século 20, e a terceira fase do avanço da Ciência e da Tecnologia, inicia-se com a Segunda Grande Guerra, também no século 20, até os nossos dias atuais.
Como podemos verificar, hoje, a introdução das máquinas nos setores produtivos ao longo dos anos, não só aumentou a velocidade do trabalho como também reduziu e até mesmo substituiu o homem no seu posto de trabalho. Sendo assim, a máquina e sua evolução através dos tempos passa ser o centro no processo econômico e produtivo. Nesse contexto, com a ampliação do crédito foi possível dinamizar e fortalecer o sistema capitalista em ascensão e o capital, sem sombra de dúvidas, sempre ficou nas mãos de uns poucos, numa roda viva que tem sustentação primeiro, no pilar econômico e segundo, no pilar político.
Mas, nos dias de hoje, num mundo dividido entre uma minoria de detentores do capital e uma maioria de desprovidos desse mesmo capital, é preciso fazer a seguinte reflexão: a Ciência e a Tecnologia estão a serviço de todos? A resposta a esse questionamento é, simplesmente, não. Agora, depois de respondida a questão, temos de tomar algumas atitudes, já que, o conhecimento científico, conforme observado, ao longo da história, não era privilégio de alguns grupos em detrimento de outros, mas ocorrera de maneira a favorecer melhores condições de vida a todos, assim, como os relatos do livro de Levítico[4]. Para tanto, é necessário que mudemos o nosso pensamento e comportamento no sentido de garantir, lá na frente, a longo prazo, uma nova humanidade. Proponho que essa mudança comece já, pois não é possível que fiquemos no famoso “jeitinho”, é preciso muito mais. É preciso construir um novo modo de viver e para alcançar esse objetivo o primeiro passo seria desenvolver entre nós a cultura do não consumismo, consequentemente, nos livrando das amarras da ideologia capitalista que só valoriza o ter em detrimento do ser. 

 

Rio de Janeiro, 7 de novembro de 2015.
 
 


[1] De acordo com a UNESCO, "a ciência é o conjunto de conhecimentos organizados sobre os mecanismos de causalidade dos fatos observáveis, obtidos através do estudo objetivo dos fenômenos empíricos"; enquanto "a tecnologia é o conjunto de conhecimentos científicos ou empíricos diretamente aplicáveis à produção ou melhoria de bens ou serviços" (Reis, Dálcio Roberto, “Ciência e Tecnologia” in www.xadrezeduca.com.br/site/h4/).
 
[2] Os textos bíblicos citados são da Bíblia do peregrino da editora Paulus.
 
[3] A revolução científica moderna tem início com a obra de Nicolau Copérnico, Sobre a revolução dos orbes celestes (1543). Copérnico defende matematicamente um modelo de cosmo heliocêntrico, rompendo com o sistema geocêntrico formulado no século II por Cláudio Ptolomeu. Os filósofos René Descartes e Francis Bacon dedicaram suas obras as novas teorias científicas e ao modelo de ciência baseado no método científico da observação, da experimentação e verificação de hipóteses como critérios decisivos, destituindo de vez o argumento metafísico.
 
[4] O livro de Levítico é um tratado de higiene e saúde. Nessa época o povo vivia a Idade do Bronze (1500 a.C.). Estavam saindo do Egito, viajando a pé e acampando pelo caminho, com rebanhos e crianças imigrando para o Oriente Médio. As orientações visavam acomodar as necessidades e resguardar o povo de uma epidemia ou doença generalizada pelo acampamento. As medidas anunciadas são profiláticas visando primariamente a prevenção e a erradicação de microrganismos.
 
 

[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.

 

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