A Reforma Trabalhista, o movimento sindical e a vaquinha chinesa.
João Crispim Victorio[i]
Este texto tem por objetivo trazer para o debate político a trajetória do movimento sindical brasileiro desde suas origens, virada do século XIX para o XX, até sua organização atual. O contexto histórico em que se dá este processo é marcado por momentos, nada muito fácil de entender. Pois trata-se de complexos conflitos políticos, econômicos e sociais. É relevante para nossa discussão, iniciarmos com a chegada dos imigrantes estrangeiros, como forma de transição do trabalho escravo ao trabalho assalariado capitalista no Brasil. Desta forma, faremos um breve passeio por nossa história.
A classe operária brasileira surge com o final da escravidão. Consequentemente dando início ao trabalho assalariado fabril. Esta classe operária nasce sob a influência das experiências dos trabalhadores qualificados europeus, no início do século XX, de pensamento anarquista, comunista e socialista. Estes trabalhadores passam a se reunir em associações de classe, que organizaram nas principais cidades brasileiras, nas quais futuramente culminam na primeira Confederação Operária Brasileira - COB.
Tais associações, posteriormente passam a sindicatos, eram organizadas pelos trabalhadores que não tinham nenhum tipo de remuneração. Agiam de acordo com suas ideologias priorizando atividades no campo da educação e da cultura, buscando conscientizar os trabalhadores da luta por seus interesses específicos e também da luta para transformações sociais. Entendiam os sindicatos e as greves como formas associadas de lutas eleitorais e parlamentares, na perspectiva da transformação do Estado. Para tanto, realizavam campanhas para obtenção de fundos financeiros em solidariedade às lutas operárias em outros países, a operários em greve e a operários estrangeiros que eram expulsos do Brasil.
Dentro deste contexto, o movimento sindical brasileiro, desde o nascimento, segue seu caminho de intensas lutas. Já, durante a República[1], na sua primeira fase chamada de República Velha, que nasceu de um golpe de estado sem a participação das classes menos favorecidas, diga-se de passagem, dos indígenas e dos negros escravos, abandonados à própria sorte depois da abolição. Indígenas e negros que eram, em quase sua totalidade, pessoas analfabetas, só sabiam trabalhar nas lavouras. Com o advento das fábricas e não havendo mão de obra qualificada no país para tocá-las, intensifica-se a imigração para resolver o problema. Nesta época os sindicatos têm duros enfrentamentos. Pois, as elites escravocratas transferiram a exploração, que no passado se dava nas lavouras, para o chão das fábricas.
A partir da Era Vargas[2], o movimento sindical sofre um terrível golpe. Até então os sindicatos que agiam de maneira independente, passam a ser tutelados pelo Estado. Isso se dá com a criação do Ministério do Trabalho e da publicação da Lei da Sindicalização. Surge o corporativismo sindical, já que, os sindicatos passam a ser organizados por categoria profissional e não mais por ramo de atividade econômica. Desta forma tem início uma nova etapa na história do movimento operário brasileiro.
As leis sociais e trabalhistas, bandeiras de lutas dos trabalhadores durante décadas, agora são promulgadas pelo governo Vargas. Neste período é criada a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT[3], que vem garantir a tutela do Estado nas negociações entre empregados e empregadores. Nesta nova estrutura, um elemento fundamental foi o imposto sindical[4], definido como um dia por ano de salário obrigatoriamente pago por todo operário sindicalizado ou não. O imposto é recolhido pelo Ministério do Trabalho e distribuído aos sindicatos. Este dinheiro se transformou em meio de sobrevivência de muitos sindicatos que deixaram de lado a luta de classe e a luta por garantias salariais e estruturais da categoria que representam, tornando-se sindicatos pelegos.
Não tenho dúvidas que a reforma trabalhista, proposta neste momento, foi a forma encontrada por uma elite empresarial brasileira, que continua escravagista, de adequar o trabalho aos interesses do mercado e do grande capital. Pois sabemos que o sistema capitalista e as grandes corporações multinacionais ao longo das duas últimas décadas vêm atravessando crises profundas e querem a qualquer preço se recuperarem. Isso significa dizer que alguém vai ter que pagar o pato, o problema é que quem paga é sempre o mais fraco da história, neste caso, a reforma sacrifica apenas um lado, o lado do trabalhador.
Mas neste caso, consigo ver uma coisa boa. A reforma trabalhista traz o fim do imposto sindical. Será que isso não seria bom para o movimento sindical atual? Pois sabemos que muitos sindicatos não representam ninguém. Existem há anos alimentando um bando de parasitas encastelados em prédios luxuosos, justificando a exploração do operário por seu patrão. Será que o fim do imposto sindical não obrigará os acomodados a se mexerem? Será que não vai afastar os oportunistas que só veem no sindicato um meio de sobrevivência financeira? Acredite existem muitos.
Este imposto sindical me faz lembrar uma antiga fábula chinesa que acredito ser bastante significativa para o atual momento político. A fábula fala de um velho monge e seu discípulo que costumavam fazer visitas as pessoas que moravam em vilarejos distantes da cidade. Numa dessas visitas, eles perceberam que anoitecia e ainda estavam muito distantes do vilarejo para onde iam. Então avistaram um sítio e lá pediram pousada para aquela noite.
O sítio era muito simples. Viviam ali um casal humilde e seus três filhos, raquíticos. A pobreza do lugar era visível, mas mesmo assim, eles acolheram a dupla de viajantes. Curioso o monge indagou ao casal de como eles conseguiam sobreviver ali. O dono da casa respondeu que tinha uma vaquinha milagrosa que dava vários litros de leite todos os dias, uma parte ele vendia e a outra trocava na cidade, por alimentos ou coisas que necessitava.
De manhã cedinho o monge e seu discípulo agradeceram a hospitalidade e foram embora. Assim que saíram do sítio, o mestre ordenou ao discípulo que pegasse a vaca e a atirasse num precipício. O jovem, surpreso, ficou chateado com a atitude desumana do seu mestre, relutou um pouco, mas limitou-se a cumprir a ordem.
Alguns anos depois, o jovem discípulo, retornando a região, resolveu passar no sítio daquela família que lhes hospedara. Chegando lá ficou espantado ao observar que o local havia mudado radicalmente. O casal era o mesmo, mas estava feliz. As crianças cresceram, já eram adolescentes, estavam bonitas e bem nutridas. Tudo havia se transformado para melhor. O jovem discípulo ficou pasmo diante de tudo o que viu, graças a perda da vaquinha.
Neste sentido, vejo o imposto sindical, além de como um câncer que causa uma relação de dependência entre os movimentos operários e o Estado, como uma vaquinha que já passava da hora de ser jogada do precipício. Ou seja, quem sabe não é hora de voltarmos às origens do movimento sindical, deixando de fora os vícios antidemocráticos e pouco éticos e passamos a fazer de fato um sindicalismo politizado, representativo, participativo e democrático.
Rio de Janeiro, 18 de Julho de 2017.
[1] A Proclamação da República do Brasil foi um levante político-militar que derrubou a monarquia pondo fim á soberania de D. Pedro II. Ocorreu em 15 de novembro de 1889. A República Velha, termo dado em oposição à República Nova, foi o período da história do Brasil que se estendeu de 1889, até a deposição de Washington Luis em 1930.
[2] Getúlio Vargas foi presidente do Brasil em dois períodos. O primeiro de 15 anos ininterruptos, de 1930 até 1945 e o segundo de 1951 a 1954.
[3] A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT é uma lei referente ao direito do trabalhador e ao direito processual do trabalho. Foi criada através do Decreto – Lei nº 5 452, de 1º de maio de 1943 e sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo, unificando toda legislação trabalhista então existente no Brasil.
[4] A contribuição sindical ou imposto sindical é uma contribuição social, referente um dia/ano de salário, recolhido pelo Ministério do Trabalho e distribuído aos sindicatos que deve ser paga obrigatoriamente por todos os trabalhadores independentemente de serem ou não sindicalizados.
[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.