Bem Viver, o antigo novo modo de conviver.
Neste sentido, com o propósito de resgatar essa filosofia de vida vivida a milênios pelos indígenas, primeiros habitantes antes mesmo desta terra ser chamada Brasil, é que um grupo de homens e mulheres preocupados com o futuro das crianças, dos jovens e dos adultos, da comunidade (distrito de Ipiabas) vem promovendo e desenvolvendo atividades de educação e de cultura, no intuito de contribuir para a construção de uma nova sociedade embasada no Bem Viver e de acordo com a Rede Brasil do Pacto Global[1].
Educação e cultura são os dois eixos que essas pessoas vislumbram trabalhar por considerá-las fundamentais para a transformação da comunidade local em uma sociedade justa e solidária, possibilitando no futuro uma vida melhor a todos. Para tanto, julgou-se necessário fazer o resgate histórico do distrito e da Cidade (Barra do Piraí) que compõe a Região Sul Fluminense (Vale do café), pois, a história deve ser sempre contada e preservada, não necessariamente repetida. Tomou-se esta decisão devido ao fato que essa história tem início no final do século XVIII, quando nascemos das chamadas sesmarias pertencentes à Cidade de Valença, Estado do Rio de Janeiro.
Segundo os registros históricos e o livro: “Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro[2]”, no passado (Brasil Colônia, 1530 – 1822) toda a região do Sul Fluminense era habitada por alguns povos originários[3] (índios). A partir de 1800 é que a região começou a ser ocupado pelos colonizadores portugueses que criaram em 1849, um curato (zona eclesiástica da Igreja Católica) denominado Nossa Senhora da Piedade de Ipiabas. Em 1852 uma Lei Provincial transformou o local em uma Freguesia, com o mesmo nome tudo isso acontecia no Brasil Império (1822 – 1889). Durante todo o século XIX e início do XX a localidade pertenceu à Valença, sendo incorporada à Barra do Piraí em 1943.
Embora quase sempre ignorados, nos textos dos historiadores positivistas[4], enquanto personagens que de alguma forma influenciaram na construção histórica criando resistências aos poderes constituídos à época, os indígenas e os negros são parte dessa história, ambos escravizados nas fazendas de café. Uma das consequências dessa relação social é a formação de uma comunidade na sua maioria de mestiços e negros oriundos desse passado.
Nos dias atuais, Ipiabas é distrito da Cidade de Barra do Piraí, tem como principal fonte de economia pequenas atividades rurais e comerciais voltadas para atender os moradores residentes, os veranistas e os poucos turistas que ocupam as pousadas locais. O distrito de Ipiabas com área total de 44,365 km² e 750m de altitude está localizado em parte de Mata Atlântica, o que lhe favorece um clima temperado e agradável. É o quarto em extensão territorial, possui aproximadamente quatro mil habitantes, segundo censo de 2014. Está a 16,6 km do centro da Cidade de Barra do Piraí.
Ipiabas possui escolas públicas do Ensino Fundamental e Médio. Porém, é necessário que o poder público ofereça a essas crianças e jovens a oportunidade de aumentarem o capital cultural[5], por meio de aulas passeios e atividades lúdicas que desenvolvam a psicomotricidade, a leitura, a escrita, o raciocínio matemático e o gosto pela Ciência. É necessário assegurar a inclusão e a promoção de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, seguindo as orientações da Agenda 2030 do Pacto Global[6].
Com finalidade de alcançar a sonhada educação de qualidade é importante lembrar que devemos nos orientar sempre numa formação que proporcione o pensamento crítico do educando, para que tenham autonomia nas suas futuras intervenções na vida em sociedade e se tornem protagonistas de sua própria história, conforme reza a Constituição Federal no seu capítulo III da Educação, Seção I, Art. 205: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
Preparar a pessoa para o exercício da cidadania e qualificá-la para o trabalho torna-se uma tarefa difícil quando falta orientações aos próprios educadores. Por isso, para consolidarmos a filosofia do Bem Viver e para alcançarmos os objetivos propostos é necessário trabalhar com dois eixos: o primeiro diz respeito a Educação Cidadã e Ambiental e o segundo diz respeito a Cultura e a Coletividade.
Acreditamos que uma sociedade alcance suas transformações sociais por meio da transformação do cidadão, provocada por uma educação transformadora capaz de impulsionar a reflexão e a ação sobre a realidade atual para obtenção e conquista da autonomia intelectual, conforme preconiza Paulo Freire, no sentido de promover uma sociedade fraterna e promotora de justiça social em busca de vida em abundância para todos (Bem Viver).
Ainda de acordo com Paulo Freire, entendemos a cultura como um importante complemento do processo da educação. Sendo assim, educação e cultura deveriam andar juntas contribuindo para reduzir esse modelo de sociedade com base no preconceito e na exclusão. Diferente disso, queremos favorecer as crianças e aos jovens oprimidos o aumento do capital cultural por meio de aulas passeios, contribuindo, desse modo, para que adquiram conhecimento e se constituam de forma imperceptível num círculo virtuoso que contribuirá para a formação de uma sociedade mais justa e fraterna.
Segundo Leonardo Boff[7], “...o universo não é feito da soma das coisas, mas sim dos conjuntos das relações, pois tudo está interligado”. Para Boff, “...o espírito de coletividade está presente intrinsecamente na essência dos seres humanos”. Nesta perspectiva uma forma de sociedade alternativa seria a do “Bem Viver”. A sociedade proposta em oposição à sociedade atual, que tem como base a competição, se organiza de maneira cooperativa e solidária, superando os conflitos de interesses em prol da convivência humana pacífica na construção do bem comum.
A Casa Bem Viver quer contribuir para construção dessa nova sociedade onde vigore a solidariedade e todos possam conviver conscientes do pertencimento a rede de relações, de reciprocidade e de coletividade para melhor viver e coevoluir. Apoiamo-nos, para dar sustentação aos nossos ideais, em documentos como a Agenda 2030, que trata do Desenvolvimento Sustentável e tem como plano de ação a erradicação da pobreza e a promoção de vida digna para todos[8].
Nossos ideais estão diretamente ligados a filosofia das comunidades tradicionais brasileiras que se organizam a partir do coletivo e, conforme já foi dito, o Bem Viver é o saber viver em harmonia e equilíbrio com todos os ciclos da Mãe Terra e do cosmos. Isto inclui, nós os seres humanos, que somos integrante de uma mesma rede de conexões, onde cada parte é importante para o todo. Assim como os indígenas e os negros do passado, somos homens e mulheres, na maioria mestiços, construindo uma nova história.