João Crispim Victorio [i] / CEBI-RJ Sub-regional Campo Grande
Podemos
definir a Bíblia como sendo a Palavra de Deus dirigida à humanidade, mas não
apenas como mandamentos ou meio de santificação. Pois, por meio de suas
páginas, tanto nos livros do Antigo, quanto nos do Novo Testamento, podemos ter
o imenso prazer de conhecer ensinamentos sobre preservação ambiental. Ou seja,
a Bíblia pode nos ensinar tudo o que precisamos saber para ter e manter uma
vida saudável no planeta. Nesse sentido, sustentabilidade [2] tem seu
significado ligado à “espiritualidade” e, por esse motivo, a questão ambiental
deve estar no cerne da vida humana.
O
aparecimento do ser humano na Terra pode ser dado pela teoria criacionista,
Deus criador do universo, conforme narram os livros bíblicos e pela teoria da
evolução, defendida pela ciência, o homem como resultado de um lento processo
de mudanças. Tomamos por base aqui a teoria criacionista com sua fantástica
história que revela Deus, em sua ação criadora, como o agricultor, o jardineiro
que cria e cuida do seu jardim e que, logo depois, cria o homem e a mulher, os
cria da própria terra, sinalizando que são uma coisa só. Estão unidos para que
a vida seja um processo de sustentabilidade.
Deus nos
criou a sua imagem e semelhança e deu a nós autoridade para cuidar da sua
criação. Com isso, mostrou a necessidade de preservar o meio ambiente e toda
espécie de vida. Deus quer que sejamos sustentáveis em nossas ações, para
tanto, devemos adquirir hábitos ecologicamente corretos. Esse é o grande
desafio a ser enfrentado por cada pessoa na construção de uma sociedade justa e
fraterna. Mas, Infelizmente, estamos longe de cumprir com nosso compromisso,
pois, nossa prática cotidiana caminha em direção contrária, conforme denuncia
nossa própria história.
Apesar de
possuirmos uma relação muito íntima com a terra, já que é por meio dela que
adquirimos nosso sustento, vemos na história cicatrizes profundas deixadas
pelas lutas por terra. Lutas, essas, que estão presentes desde os primórdios,
conforme podemos conferir no relato de (Gn 4, 1-16), onde Caim mata seu irmão
Abel. Este fato nos mostra, de maneira figurada, o rompimento entre o campo e a
cidade [3]. Abel
era um pastor de ovelhas que Deus se agradou da oferta e Caim era um lavrador
do qual Deus não se agradou da oferta. Caim, por seu ato, recebe o castigo. Sai
e vai habitar a terra de Node e lá conhece sua mulher que da à luz a Enoque.
Nesse clima surge a primeira cidade bíblica.
Ao longo
da história da humanidade a relação do homem com a terra foi de lutas e de
conquistas que causaram marcas profundas, sofrimentos, angústias e problemas
ambientais graves. No Brasil, por exemplo, a luta pela terra tem início com a
chegada dos portugueses que, arbitrariamente, tomaram posse das terras ocupadas
pela população originária e fizeram isso com extrema violência. Até os dias
atuais os problemas relacionados à terra não foram solucionados, ainda, temos
os grandes latifúndios improdutivos de um lado e do outro trabalhadores
sem terra querendo produzir e viver da terra. Porém, nem tudo está perdido, o
contrário também existiu e existe ainda, hoje. Vemos algumas iniciativas que
provam a possibilidade de uma convivência harmoniosa e inteligente do humano
com o planeta. E, portanto, partindo do princípio de que a terra e toda
criação, em sua diversidade, é obra de Deus, o domínio da mesma não é poder
exclusivo de alguns poucos, mas de todos. Já que, não somos os donos dos bens
da natureza e a terra é a morada comum da humanidade.
A criação da Terra e da Humanidade, narradas de forma poética no livro
do Gênesis, tem seu início quando Deus diz: "Façamos o homem à
nossa imagem e semelhança. Que ele domine os peixes do mar, as aves do céu, os
animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a
terra” (Gn 1, 26-27). A relação dialética entre o ser humano e natureza
pressupõe uma existência e a sua sobrevivência, estabelecendo ao longo da
história relações de transformações do meio ambiente. Mas não de transformações
destrutivas ao meio ambiente, a relação ser humano e natureza se estabelece
através do trabalho, um trabalho que domina e transforma para atender as
necessidades individuais e coletivas (ARENDT, 1981) [4]. Mas o
que vemos é a exigência de meio mais elaborado e tecnologicamente mais avançado
de desenvolvimento resultando em devastação e destruição dos espaços.
A maneira
de organização da sociedade capitalista moderna caracteriza um sistema de
explorados e exploradores da força de trabalho. A racionalização associada ao
processo industrial capitalista aniquila qualquer iniciativa de modo de
organização social digna para todos. O bem estar, o meio ambiente, os valores
sociais e éticos são rejeitados em nome do lucro máximo para a manutenção do
capitalismo. Neste sentido, alerta Boff (2011) [5]
Os
trabalhadores são considerados como "recursos humanos" ou pior ainda
"material humano" em função de uma meta de produção. Como se
depreende, a visão é instrumental e mecanicista: pessoas, animais, plantas,
minerais, enfim, todos os seres perdem sua autonomia relativa e seu valor
intrínseco. São reduzidos a meros meios para um fim fixado subjetivamente pelo
ser humano que se considera o centro e o rei do universo, Este quer enriquecer
e acumular bens para si.
Em uma de suas crises o modelo
capitalista buscou saída na globalização, ou seja, na homogeneização da
economia mundial, segundo seu modelo de desenvolvimento que orienta a formação
de sociedades que valorizem normas de eficiência para sustentação econômica e
tecnológica. As desigualdades geradas pelo sistema capitalista e seus efeitos
neoliberais geram problemas de exclusão social e de acesso a terra as famílias
pobres. Assim sendo, temos o desafio de falar em desenvolvimento humano
sustentável num mundo globalizado sob a égide do capitalismo. De construir
alternativas que tornem possível uma sociedade capaz de satisfazer as
necessidades atuais sem comprometer as gerações futuras, garantindo a
preservação dos recursos naturais e do meio ambiente a todos.
A Terra vem
dando claros sinais de enfraquecimento e de morte nos
últimos tempos. O papel dos profetas foi e sempre
será de nos advertir quanto saber interpretar os
sinais de Deus através dos fenômenos da natureza. Deus,
como criador, preocupou-se da humanidade entender o processo de manutenção da
vida na Terra. Por isso, Francisco de Assis, Chico Mendes, entre outras tantas
pessoas, cada uma a seu tempo, mostraram que a exploração sustentável do
planeta é de responsabilidade de todos para que as futuras gerações tenham vida
e vida em plenitude junto a Mãe Terra.
[1] O tema apresentado é em
homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente foi instituído no dia 5 de junho de
1972, durante a Conferência das Nações Unidas (ONU), sobre o Meio Ambiente
Humano, em Estocolmo. A data escolhida tem como objetivo principal chamar a
atenção de todas as esferas da população para os problemas ambientais e para a
importância da preservação dos recursos naturais, que até então eram
considerados, por muitos, inesgotáveis.
[2] O conceito de sustentabilidade
que vamos usar neste trabalho é o empregado por Leonardo Boff: “Toda ação
destinada a manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas
que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida
e a vida humana, visando a sua continuidade e ainda a atender as necessidades
da geração presente e das futuras de tal forma que o capital natural seja
mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução, e
coevolução”. Faz-se necessário aqui salientar o conceito devido ao conflito
entre as várias compreensões do que seja sustentabilidade. Por exemplo, na
clássica definição da ONU, do relatório Brundland, (1987) sustentabilidade “é o
que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das
gerações futuras de atenderem a suas necessidades e aspirações”. Já o conceito
mais comum e também jurídico está relacionado com a mentalidade, atitude ou
estratégia ecologicamente correta, na diversidade cultural, viável a nível
econômico e socialmente justa.
[3] Uma introdução à Bíblia. Formação
do povo de Israel. Volume 2. 2ª ed. Ildo Bohn Gass (Org) RS: CEBI/Paulus 2011.