Dia do Trabalhador: pão sobre
todas as mesas.
João Crispim Victorio[i]
A história do povo de Deus[1],
contada no Antigo Testamento, é a história dos hebreus. Povo que Deus escolheu
para se manifestar à humanidade. A longa caminhada dos hebreus é marcada por muito
trabalho entre homens, mulheres e crianças que aos poucos foram se consolidando
em um povo. Houve muitas coisas boas como também ruins, muitas divergências e
convergências na sua forma de organização social. A história desse povo é
marcada por trabalho escravo, opressão, exílio, divisões, guerras e violência.
É a história de um povo contada pelo próprio povo a partir daquilo que é mais
importante e que gira em torno de um fim prático, a libertação.
Deus amou o mundo e sua criação. Escolheu o povo hebreu para se
manifestar e enviar o seu Filho amado para solidificar esse amor. Se “Ele não poupou seu próprio Filho, mas o
entregou por todos nós. Como não nos dará também todas as coisas junto com o
seu Filho?” (Romanos 8:32). Esse amor é que nos move na construção e
consolidação de uma sociedade justa e fraterna, com trabalho e salário digno,
educação pública de qualidade, saúde atuando primeiramente na prevenção,
cultura e lazer para todos do campo e das cidades. Esse amor expressa de forma
clara o sentido coletivo da vida e não o individualista, isso, significa dizer
que enquanto uma só pessoa estiver a margem do processo social de inclusão a
nova sociedade não acontecerá.
O trabalho[2],
uma das necessidades humanas, presente na história do povo de Deus, como
podemos verificar em Gênesis: “Você
comerá seu pão com o suor do seu rosto, até que volte para a terra, pois dela
foi tirado. Você é pó, e ao pó voltará” (Gênesis 3: 19), tem sua origem com
o aparecimento do ser humano e a sua busca por alimentação. Neste sentido, o
homem vem transformando a natureza com o seu trabalho a partir da criação de
pequenas ferramentas, primeiro de pedra e depois de metal numa evolução
extraordinária que se dá com o desenvolvimento intelectual, permitindo, cada
vez mais, o avanço científico e tecnológico da humanidade.
No Brasil, os
desenvolvimentos social e tecnológico ocorrem ao longo dos períodos
históricos confundindo-se com a história da evolução do trabalho e do modo de
produção. Sendo assim, o movimento imigratório do final do século XIX, com o intuito de substituir a mão de obra
escrava após a abolição, tem particular relevância devido à experiência de
organização trabalhista trazida por europeus. Mas enquanto começávamos a
engatinhar rumo à organização da classe trabalhadora, na cidade de Chicago em
maio de 1886, uma grande manifestação de trabalhadores protestava contra as
condições desumanas e a carga horária de trabalho a qual eram submetidos. A
greve tornou-se intensa a ponto de paralisar os Estados Unidos. Houve vários
confrontos dos manifestantes com a polícia resultando na morte de diversos
trabalhadores. Este fato levou a França e depois a Rússia a proclamar o dia 1°
de maio como feriado nacional em comemoração ao dia do trabalhador. O Dia do
Trabalhador[3] no
Brasil foi consolidado em 1924 no governo de Artur Bernardes.
O advento das máquinas no Brasil dá inicio a um novo
modelo de produção que encontrou muitos problemas até sua consolidação. O mais
grave deles foi à falta de profissionais qualificados para executar os serviços
mais complexos. Pois naquela época nossa sociedade era formada basicamente por um
contingente grande de analfabetos, consequência da falta de investimentos na
educação e na profissionalização do povo brasileiro nas fases colonial, imperial
e República Velha. Só a partir de 1930, com a chegada de Getúlio Vargas a
presidência da República, inicia-se uma nova etapa em nosso país com o ideal nacionalista de progresso, por meio da industrialização,
que trazia em seu bojo, consequentemente, a necessidade da formação
profissional da classe trabalhadora. Em 1937, Getúlio proclama o estado de
exceção, proíbe todas as organizações políticas, dissolve o Congresso e declara
o Estado Novo. Aproveitando-se do momento de instabilidade política que atravessava
o país com o fantasma do comunismo que assustava a classe média, os
empresários, os banqueiros, os latifundiários e os militares.
A segunda etapa tem início com a implantação do Estado Novo, Getúlio
Vargas permanece no poder por mais oito anos. Essa época foi marcada por muitos
conflitos de classes e os trabalhadores viram algumas de suas reivindicações e
direitos serem garantidos pela Consolidação das Leis trabalhistas – CLT, também
viram ir por água abaixo toda uma estrutura sindical que aos poucos se
consolidava. O governo central cria uma estrutura organizacional trabalhista de
cima para baixo, desde o Ministério do Trabalho até as delegacias regionais,
atrelando os sindicatos a esta estrutura, criando o sindicalismo pelego,
minando a força do movimento sindical e assim se passaram quinze anos.
As últimas quatro décadas do século XX não foram nada fáceis para a
classe trabalhadora deste país. Quando se sonhou que todo mal estava para
acabar, com as Reformas de Base anunciadas e defendidas pelo então presidente
João Goulart, o pior aconteceu, nada foi tão terrível quanto o golpe militar
iniciado na prática em 1964. Foram vinte e um anos de escuridão, medo e morte.
Os trabalhadores foram impedidos de participar de seus sindicatos ou de
qualquer outro tipo de organização que por ventura viesse despertar suspeita
aos algozes de plantão. Toda e qualquer forma de resistência era combatida
eliminando os mesmos cometendo-se o crime de assassinato. Graças aos mais variados tipo de resistências
foi possível mostrar para o mundo a barbárie cometida pelos militares, com
apoio dos conservadores, parte da classe média, da igreja católica, dos
empresários e banqueiros.
Durante todo esse processo interno que vivíamos aqui no
Brasil, ventos fortes sopravam do norte do continente americano, ou seja, dos
Estados Unidos, desde o final da Segundo Guerra Mundial, ditando uma Nova Ordem
Mundial[4]. Nesse
sentido em 1980, chega ao fim à oposição capitalismo X socialismo e o
capitalismo passa ser o sistema de quase todo o mundo. Nessa conjuntura, a
maior parte da riqueza mundial, agora globalizada, passa a pertencer às grandes
corporações internacionais. Com o esgotamento do Estado do bem-estar Social[5], o
neoliberalismo com sua proposta de estado mínimo ganha prestigio e força e o
resta para a classe trabalhadora é o arrocho salarial, o desemprego, a
flexibilização do trabalho[6] e
todo tipo de violência contra os trabalhadores.
Apesar de todos os problemas vividos no inicio do século XXI, aqui no
Brasil a classe trabalhadora e o povo pobre, de modo geral, volta a sonhar com
dias melhores. Nesse momento existe a possibilidade concreta de se eleger o
primeiro presidente trabalhador, oriundo do movimento sindical e das classes
populares e, o melhor, com cara da gente pobre, que é maioria desse país.
Conforme (João 10: 10), “Eu vim para que
tenham vida, e a tenham em abundância”. Nesse sentido, a esperança de dias
melhores vence o medo de lutar por vida plena, onde haja igualdade de condições
para todos independente da cor da pele, da orientação sexual, do gênero, da
forma de falar, de vestir ou de andar. O sonho começa tomar forma de realidade
com emprego para todos, melhores salários, com a reforma agrária e o pão sobre
todas as mesas.
O mal, ainda,
não foi totalmente vencido. Temos que enfrentar todos os dias, sem esmorecer,
as novas batalhas criadas pelo poder opressor. Vivemos, hoje, uma tentativa de
golpe contra a democracia, quando tentam derrubar a presidenta da República, contra
a população mais pobre desse país, quando tentam acabar com o Programa Bolsa Família,
por meio das grandes mídias, com discursos pejorativos à camada mais pobre da
população, e contra os trabalhadores, quando o Congresso aprova o Projeto de
Lei 4330/04[7],
utilizando-se de um discurso de modernidade, quando na verdade tratá-se da precarização do trabalho. Mas, assim, como o
apostolo Paulo, na sua segunda carta a Timóteo, haveremos de combater o bom
combate, terminar nossa corrida e conservar a nossa fé (2Tm 4: 7).
Rio de
janeiro, maio de 2015.
[1] A
História do Povo de Deus: introdução para uma leitura da Bíblia, hoje. Ação
Católica Operária e Comissão Nacional de Pastoral Operária. Volumes 1 e 2.
[2] Para Marx o trabalho é expressão da vida humana, por
meio da qual é alterada a relação do homem com a natureza. Por meio do trabalho
o homem transforma a si mesmo.
[3] O
1º de maio é, também, conhecido como Dia do Trabalho. No entanto, adoto aqui
Dia do Trabalhador por ser uma data comemorativa para celebrar as conquistas
dos trabalhadores ao longo da história.
[4] A Nova Ordem
Mundial é o plano geopolítico internacional das correlações de poder e
força entre os Estados Nacionais após o final da Guerra Fria. Ou seja, com a
queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética, o mundo se viu
diante de uma nova configuração política. Nesse contexto, a soberania dos
Estados Unidos e do capitalismo se estende por praticamente todo o mundo e a
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) se consolida como o maior e
mais poderoso tratado militar internacional.
[5] Estado de Bem-Estar Social é um modelo no qual o Estado é organizador da
política e da economia, encarregando-se da promoção e defesa social. Esse
modelo se expandiu a partir da década de 1930 nos países europeus defensores da
socialdemocracia.
[6] Flexibilização do trabalho significa perda de
direitos conquistados. O que pressupõe aumento do poder discricionário do
capital de determinar unilateralmente as condições de uso, contrato e pagamento
do trabalho.
[7] Projeto
de Lei 4330/04, regulamenta os contratos de terceirização no setor privado e
para as empresas públicas, de economia mista, suas subsidiárias e controladas
na União, nos estados, no Distrito Federal e nos municípios.
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