Projeto Político-Pedagógico,
Dispositivos Legais e Gestão Democrática nas Escolas.
Trazer
à discussão o Projeto Político-Pedagógico (PPP),
sua elaboração e finalidade, neste momento, se faz necessário. Primeiro, devido
à complexidade que envolve o tema e segundo, devido a pouca importância dada a
essa ferramenta que caminha em direção à construção coletiva, por isso
democrática, no vislumbre da escola para todos, pelas instituições
governamentais e suas referidas secretarias de educação, assim como, as instituições
de ensino, refiro-me aqui as de formação de professores. Dito isto, é bom
lembrar, porém, que a construção do PPP no espaço escolar não é tarefa fácil.
Demanda tempo e comprometimento de todos que compõe a comunidade escolar,
particularmente dos docentes que, sabemos, precisam trabalhar em mais de uma unidade
de ensino porque sua remuneração é muito baixa, que vivem sobrecarregados de
atividades burocráticas, impostas pelo sistema, e que, não obstante, lhes faltam
à prática do exercício democrático de participação sociocultural e
sociopolítica.
Nesse
contexto, são construídos os Projetos
Político-Pedagógicos. Um documento que deve abarcar os objetivos, as diretrizes
e as ações do processo educativo a ser desenvolvido na escola, considerando o
que já está instituído, que deve, também, expressar as exigências legais do
sistema educacional, as necessidades, os propósitos, as expectativas da
comunidade escolar e a cultura da escola, contribuindo para transformá-la. Portanto,
é por meio do PPP que a comunidade escolar deve desenvolver e assumir as
responsabilidades do trabalho coletivo e ter possibilidade de tomada de
consciência dos problemas e das possíveis soluções. Conforme Libâneo:
O projeto
político-pedagógico pode ser comparado, de forma análoga, a uma árvore. Ou
seja, plantamos uma semente que brota, cria e fortalece suas raízes, produz
sombra, flores e frutos que dão origem a outras árvores, frutos... Mas, para
mantê-la viva, não basta regá-la, adubá-la e podá-la apenas uma vez. (2004, p. 152).
Para
Libâneo, o PPP não pode ser uma coisa estática, pelo contrário precisa ser revisto,
modificado e até recriado de acordo com as necessidades vigentes, já que o
mesmo é uma construção em parceria com a comunidade e tem como meta o
desenvolvimento da cidadania e da identidade da escola. Sendo assim, a escola
deve ter definida uma identidade e um conjunto orientador de princípios e de
normas que favoreçam a ação pedagógica cotidiana. Agora, para que tudo isso
ocorra é necessário tempo organização e debate democrático capaz de estabelecer
critérios e tarefas que tenham, em todo processo, significados comuns aos
diferentes agentes educacionais.
No
sentido de contribuir com essa discussão, junto com as questões relacionadas
com os dispositivos legais, vamos trazer para o foco o papel da comunidade
escolar, mas precisamente do docente, por considerar sua importância enquanto
intelectual orgânico, capaz de fazer toda a diferença na organização,
orientação e elaboração do PPP, de maneira a vir fortalecer a prática
democrática e por fim a autonomia da escola, sabendo-se, antemão, dos problemas
relacionados à centralização e, consequentemente, à gestão em todos os níveis
do sistema educacional, conforme discorre o Plano de Desenvolvimento da Escola
- PDE:
A centralização burocrática nas
três instâncias de governo – federal, estadual e municipal – impediu o
surgimento de uma escola com identidade e compromisso público de desempenho. Em
decorrência, a instituição escolar caracterizou‐se pela falta de
autonomia didática e financeira e pela falta de participação da comunidade.
Esses fatores constituem obstáculo para a construção e a execução de um projeto
político‐pedagógico elaborado a partir das
necessidades básicas de aprendizagem dos seus alunos (1993, p.23).
Como vimos, o próprio documento do MEC
denuncia a centralização burocrática do sistema educacional no âmbito dos
poderes executivos federal, estadual e municipal de nossa federação. Isso vem a
décadas tornando impossível o surgimento de uma escola autônoma, com identidade
própria e de gestão democrática, capaz de contribuir de forma exemplar na
formação de cidadãos transformadores de suas realidades. Ora, este documento do
MEC entra em divulgação pelo menos cinco anos depois da promulgação da Carta
Magna de 1988 e, como sabemos, é a partir dessa Constituição que tem início, na
história da educação brasileira, um processo de discussões sobre a gestão
democrática nas escolas, mais precisamente, no Titulo VIII – Da Ordem Social, Capítulo
III – Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I – Da Educação, Artigos 205
a 214. Onde o artigo 206, incisos III e VI, estabelece como um dos princípios
orientadores a gestão democrática dos sistemas de ensino público, a igualdade
de condições de acesso à escola e a garantia de padrão de qualidade. Por sua
vez, esse capítulo da referida Lei institui às escolas mudanças nas formas de
gerir os processos e as tomadas de decisões.
É com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação
(LDB 9.394/96), Lei que reafirma o direito à educação, garantido pela
Constituição Federal de 1988, que a gestão democrática da escola é
regulamentada, estabelecendo orientações para a organização do espaço físico,
para o trabalho pedagógico, para a participação dos educadores e para a
integração entre escola e comunidade. O Artigo 12, inciso I, da Lei,
regulamenta a organização dos estabelecimentos de ensino e prevê que "os estabelecimentos de ensino,
respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência
de elaborar e executar sua proposta pedagógica", assim como no Artigo
13, Inciso I, II e VI.
Conforme
a referida Lei, a elaboração do Projeto Político-Pedagógico é obrigatório para
o estabelecimento de ensino e para os professores, que são considerados agentes
imprescindíveis nesse processo de construção. A Lei, nos seus Artigos 14 e 15,
propõem profundas mudanças na educação brasileira quanto à democratização e a
autonomia da escola, ressaltando a importância da participação dos
profissionais da educação e da comunidade escolar em conselhos escolares. O
tema da democratização sugere o da descentralização dos recursos e o da
autonomia da escola, no tocante à gestão democrática:
Art. 14 – Os sistemas de ensino definirão as normas da
gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas
peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I. Participação dos profissionais da educação na
elaboração do projeto pedagógico da escola;
II. Participação das comunidades escolar e local em
conselhos escolares ou equivalentes.
Art. 15 – Os sistemas de ensino assegurarão às
unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos
graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira,
observadas as normas de direito financeiro público.
No âmbito oficial, a ideia de conceder
maior autonomia aos estabelecimentos escolares surge na Conferência Mundial de
Educação Para Todos,
que por sua vez se refletiu centralmente no Plano Decenal (1993) e na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – 9394/96. No Plano Decenal (1993), a autonomia
das escolas por meio da construção do Projeto Político‐Pedagógico
tornou‐se
meta com vistas à superação dos problemas advindos de um passado de
centralização burocrática nos três níveis de administração: Federal, Estadual e
Municipal.
Na década de 1990, as propostas de
descentralização e autonomia da escola foram postas em ação por meio de
políticas públicas como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Programa
de Descentralização de Recursos Financeiros (PDRF) e de iniciativas de acordos
entre o Banco Mundial (BIRD) e o governo brasileiro, entre os quais incluem‐se
os programas Pró‐Qualidade e FUNDESCOLA. Deste último
origina‐se
o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE). Nesse contexto tem início ás discussões
sobre o Plano Nacional da Educação (PNE), com vistas ao cumprimento do disposto
no art. 214 da Constituição e do artigo 87 da LDB (9394/96), cujo parágrafo 1º
explicita que:
A União, no prazo de um ano a
partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano
Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em
sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1996, p. 29).
O PNE (2001) passou por um longo
processo de discussão até a sua formulação e sansão. Esse processo que se
iniciou em 1997, só se concluiu depois de três anos de intenso debate e
tramitação no Congresso Nacional e com a apresentação de um novo plano
substitutivo que após revisões e novas emendas, foi aprovado pela Comissão de
Educação, Cultura e Desporto. Nas discussões do PNE, duas propostas estavam em
questão e nas duas propostas o PPP está expresso. No projeto aprovado (PNE
2001), a autonomia e a gestão democrática estão implícitas no discurso
enunciado, o que condiz com o que afirma Valente e Romano:
O que ressalta de todas essas
comparações é que o substitutivo Marchezan, aprovado no Congresso, consagra
como “plano” a política educacional já praticada pelo MEC. Esse PNE significa a
recusa de um verdadeiro Sistema Nacional de Educação. Em troca do sistema
educacional, reafirmou-se, conferindo-lhe o estatuto de lei, o Sistema Nacional
de Avaliação – instrumento nuclear do excessivo centralismo na gestão da
educação nacional. O PNE aprovado não viabiliza mecanismos de gestão
democrática do ensino. Além de reduzir a democracia à “participação da
comunidade escolar e da sociedade” na implementação prática de deliberações
definidas na cúpula do Estado, esta é entendida como algo de economia exclusiva
do ensino público. (2006, p. 104).
Ao final da década da educação,
estabelecida na LDB (9394/96), um novo cenário é delineado contrapondo-se ao
discurso neoliberal. Surgem discursos híbridos a partir dos movimentos sociais
e da organização da sociedade, cujo tema centra‐se nas
discussões que tem como horizonte o PNE para o período 2011‐2020
e um Sistema Nacional de Educação. Todo esse arcabouço oficial que rege a
educação brasileira (Constituição, LDB, PNE) é resultado de conquistas da
sociedade civil organizada, e são documentos referência para a elaboração dos
Planos Estaduais e Municipais de Educação. Nessa perspectiva, os discursos
sobre o projeto político-pedagógico, a gestão democrática e a autonomia inserem‐se
nos diversos documentos das escolas e decretos das Secretarias de Educação.
Por fim, é importante destacar que a
relação entre as leis que norteiam o PPP e a gestão democrática são avanços na
legislação brasileira, tanto na elaboração quanto na construção dos mesmos e nas
influências que exercem nos dispositivos legais do processo de significação
político e pedagógico das escolas, já que o PPP se constitui em mudanças nas
organizações da gestão escolar. Podemos citar, como exemplo, o artigo 2º do PNE
- 2011/2020, que determina suas diretrizes, conforme reza o inciso X “difusão dos princípios da equidade, do
respeito à diversidade e a gestão democrática da educação”. Isso vem influir
fortemente na perspectiva democrática de participação coletiva, como elemento
imprescindível para a organização política e pedagógica da escola.
Rio
de Janeiro, 20 de abril de 2016.
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e Gestão da Escola: teoria e
prática. 5ª ed. Goiânia: Alternativa, 2004.
O PDE - Plano de Desenvolvimento
da Escola, é um programa de apoio à gestão escolar baseado no planejamento
participativo e seu objetivo é auxiliar as escolas públicas a melhorar a sua
gestão.
BRASIL.
Congresso Nacional. Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996. – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília.
Declaração
Mundial sobre Educação para Todos - UNICEF (Conferência de Jomtien – 1990) Tailândia – 5 a 9 de março de
1990.
VALENTE, Ivan e
ROMANO, Roberto. PNE: Plano Nacional de
Educação ou Carta de Intenção? http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/16965.pdf
[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.