João Crispim Victorio[i]
Um momento formativo marcante
que vivenciamos foi quando explicitamos nossas concepções sobre ‘ensino’ e
‘aprendizagem’. Nunca, em anos de trabalho, havíamos realmente parado para
pensar nisso. Começamos a perceber como nossa prática se guiava muito mais por intuição que por conhecimentos sobre o processo de
ensino-aprendizagem. Reflexões nos remetiam à ideia de que a aprendizagem só é
significativa quando a aluna ou o aluno realmente consegue internalizar o novo
conceito de tal modo que ele passe a ser considerado e a fazer parte da sua
visão de mundo, ou seja, quando a aluna ou o aluno consegue ver relações entre
os conceitos e situações vividas em seu cotidiano (Salvador, 1994; Castilho et
al., 1999)[1].
Nosso ensino, mesmo que de
maneira inconsciente, era calcado em uma visão de ciência como a grande dona da
verdade, capaz de responder a qualquer questão e solucionar qualquer problema
da realidade. Começamos a considerar e discutir que os modelos científicos são
provisórios e evoluem ao longo da história, ou seja, que a ciência não pode ser
ensinada como um produto acabado, que ela é fruto de criações de homens, com
determinadas visões de mundo e propensos a erros e acertos (Kuhn, 1975)[2].
Passamos a explorar e enfatizar a ideia de provisoriedade dos modelos científicos,
de que nem a ciência nem o professor são donos da verdade.
Uma questão importante refere-se
ao papel das estratégias de ensino diferenciadas em sala de aula. A superação
da tendência de usá-las como meio de comprovação das teorias ou apenas como um
atrativo que torna a aula mais interessante. Há um convencimento de que os
experimentos e outras estratégias são ferramentas que podem ter grande
contribuição na explicitação, problematização e discussão dos conceitos com os
alunos, criando condições favoráveis à interação e intervenção pedagógica do
professor, de modo que eles possam discutir tentativas de explicação
relacionadas aos conceitos (Hodson, 1989)[3].
Fomos compreendendo que o experimento faz parte do contexto normal de sala de
aula, não simplesmente como um momento que isola a teoria da prática.
Dentre os dilemas que conjugam a precariedade do ensino das disciplinas
pertencentes ao campo das Ciências da Natureza, podemos destacar situações como
as relativas à demonstração fenomenológica. A ausência de laboratórios
experimentais na maioria das escolas dificulta o trabalho do professor que não
consegue demonstrar, na prática, as transformações que ocorrem na natureza,
quando certas combinações acontecem, dificultando assim o processo ensino-aprendizado.
Podemos citar, também, a forma como os conteúdos de Química são abordados, não
só no nono ano do ensino fundamental, mas ao longo do ensino Médio. Esses
conteúdos são tratados, na maioria das vezes, de modo descontextualizado,
dissociado dos problemas que afetam diretamente a vida do aluno. Os mesmos são
trabalhados a partir de fórmulas, conceitos e definições, não dando ao aluno a
oportunidade de vivenciar as implicações dos fenômenos na natureza, de um modo
geral. Entendemos que há uma desarticulação dos binômios teoria versus prática
e ciência versus vida cotidiana.
Mesmo que o MEC, por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN
(Brasil, 1997) orientem os professores no sentido de desenvolverem os conteúdos
de forma a atender às necessidades da vida contemporânea, e isso equivale dizer
que é preciso usar a criatividade em sala de aula, o que se observa na prática
é a resistência dos professores a mudanças. Nesse sentido, em 2007, realizei um
estudo sobre as Concepções e Práticas
Pedagógicas do Ensino de Ciências: Um Estudo de Caso no Ensino Fundamental, que
foi apresentado ao Programa de Especialização em Ensino de Ciências do Centro
Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis - RJ como requisito
para obtenção do grau de Especialista em Ensino de Ciências.
O trabalho teve como principal objetivo levantar e analisar
concepções sobre o ensino de Química e de Física realizado na oitava série
(atualmente nono ano) do ensino fundamental. Por isso, foi tomado como
amostragem algumas turmas e professores de ciências das escolas municipais na Zona
Oeste da Cidade do Rio de Janeiro. De
acordo com o nosso estudo, a principal questão a ser respondida seria: Por que
os professores de Ciências que lecionam Química na oitava série resistem tanto
a mudanças na forma como abordam os conteúdos da disciplina? Uma das hipóteses
que intuímos é a de que os mesmos reproduzem em suas aulas o modelo de sua
formação inicial, resistindo às inovações, o que nos faz pensar que há
necessidade de promover mudanças nas práticas dos professores e dos programas
de ensino.
Um bom exemplo disso são as discussões sobre diferenças entre senso
comum e conhecimento científico. As diferenças entre essas ideias e
as noções científicas ensinadas em sala de aula podem gerar dificuldades na
aprendizagem de novos conceitos por parte dos alunos, já que, muitas vezes não
há valorização das ideias que os alunos trazem de suas vivências acerca dos
fenômenos químicos e físicos que ocorrem a sua volta. Em função disso,
percebe-se por que os alunos podem entender os objetivos, as atividades e a
linguagem do processo de ensino diferentemente da maneira como o professor as
entende (Schnetzler e Aragão, 1995)[4].
Dessa forma podemos considerar
que ao longo dos tempos as implicações sociais da Ciência vêm se incorporando
às propostas curriculares. Simultaneamente às transformações políticas
ocorreu a expansão do ensino público que não mais pretendia formar cientistas,
mas também fornecer ao cidadão elementos para viver melhor e participar do
breve processo de redemocratização ocorrido no período. A admissão das conexões
entre a ciência e a sociedade implica que o ensino não se limite aos aspectos
internos à investigação científica, mas à correlação destes com aspectos
políticos, econômicos e culturais.
Os alunos passam a estudar
conteúdos científicos relevantes para sua vida, no sentido de identificar os
problemas e buscar soluções para os mesmos. Surgem projetos que incluem
temáticas como poluição, lixo, fontes de energia, economia de recursos
naturais, crescimento populacional, demandando tratamento interdisciplinar.
Essas demandas dependiam tanto dos temas abordados como da organização escolar.
Mas a maneira em que os currículos são organizados para apresentação dos
conteúdos de ciências, isto é, com enfoque no ensino de Biologia tanto no
primeiro seguimento (1ª a 5ª ano) quanto no segundo seguimento (6ª ao 9ª ano),
sendo que os conteúdos de Física e Química são apresentados apenas no 9ª ano,
provoca distorção dos conteúdos de ciências nos alunos e, por conseguinte, nos
professores.
Propõe-se uma reorganização da
estrutura curricular, para favorecer a percepção de Biologia, Química e Física
desde nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Já que o ato de ensinar Química
no ensino fundamental tem sido interpretado como sendo um processo de mera
transmissão de conhecimento, funcionando para os alunos como algo muito
traumatizante e desagradável. Esse processo tem sido reproduzido por anos,
porque os professores, que também passaram por ele, trazem de sua formação
docente a herança desse ensino. Torna-se necessário quebrar esse paradigma para
que o ensino de química, juntamente com as demais ciências, possa ser agradável
e frutífero, contribuindo para formação do cidadão.
Ao cruzarmos as informações, podemos perceber que o ensino de Química,
apesar de só ser explicitado atualmente no nono ano (antiga oitava série) do
Ensino Fundamental, perde-se durante os anos iniciais, onde na maioria dos
casos são dados enfoques somente biológicos à disciplina Ciências, o que traz consequências
desastrosas para a vida acadêmica do alunado. As correntes que defendem esse
tipo de iniciativa tem um parecer distorcido da realidade, pois, ao que parece,
trabalham com a suposição de que o saber da disciplina é preponderantemente
tecnicista, quando, na verdade, as mais simples operações do cotidiano envolvem
a Química e poderiam ser discutidas de modo a iniciá-lo em operações rotineiras
que, introduzidas de modo gradual, facilitariam o entendimento.
[1] SALVADOR,
C.C. Significado e sentido na
aprendizagem escolar. Reflexões em torno do conceito de aprendizagem
significativa. In: Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto
Alegre: Ed. Artes Médicas, 1994.
[2] KUHN,
T. A estrutura das revoluções
científicas. São Paulo: Perspectiva,1975.
[3] HODSON,
D. Uma visão crítica em relação ao
trabalho prático nas aulas de ciências. In: School Science Review,
v. 71, n. 256, 1989. (Tradução e adaptação: Andréa Horta Machado.)
[4] SCHNETZLER,
R.P. e ARAGÃO, R.M.R. Importância,
sentido e contribuições de pesquisas para o ensino de química. Química
Nova na Escola, n. 1, p. 27-31, mai., 1995.
[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.
Texto integrante da monografia: Concepções e Práticas Pedagógicas do Ensino de Ciências: Um Estudo de Caso no Ensino Fundamental. Apresentada ao Programa de Especialização em Ensino de Ciências do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis - RJ.
Texto integrante da monografia: Concepções e Práticas Pedagógicas do Ensino de Ciências: Um Estudo de Caso no Ensino Fundamental. Apresentada ao Programa de Especialização em Ensino de Ciências do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis - RJ.
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