João
Crispim Victorio[i]
Tomando por base a existência de um conteúdo mínimo
que deva figurar em todo projeto curricular, de todas as instituições que
formam professores, para que não haja discrepância em território tão vasto, e
considerando esse currículo mínimo como essencial, necessário, fundamental ao
conhecimento de todo docente, isso na visão avaliativa do MEC, veremos que esse
é um objetivo do qual não se pode abrir mão, sob risco de formarmos
profissionais com graves distorções funcionais.
Em contrapartida, o que há de objetivo na avaliação
dos conteúdos que o MEC empreende nas Instituições de Ensino Superior (IES), é
flexibilizado nos conteúdos das Escolas de Ensino Fundamental e Médio. Assim, atribuindo aos Parâmetros Curriculares
Nacionais essa parcela de responsabilidade, entenderemos que o modelo
educacional adotado é um modelo que atende às expectativas mais exigentes e que
se acha assentado em bases consistentes, logo, pouco vulnerável. Por que,
então, não funciona? Por que motivo é tão criticado? Eis os nossos
questionamentos.
Trazendo para a arena do debate o papel central do
professor, os estigmas que lhes são conferidos de corresponsável pelo fracasso
escolar, veremos que a questão por vezes não chega a ir em frente. Rafael Yus
Ramos (2001)[1],
em seu artigo, Formação ou conformação
dos professores?, ressalta que é preciso insistir no aspecto da
complexidade do sistema educativo, para que não tenhamos uma visão distorcida
da realidade.
(...)
é atribuir a tal ou qual elemento do sistema os êxitos ou os fracassos dele em
sua globalidade. Um exemplo disso, que classicamente vem sendo repetido no tema
que estamos discutindo, é atribuir aos professores uma importância capital para
o êxito das reformas. É o que, com freqüência, chamo de “o mito do único
professor”, essa imagem do professor auto-suficiente e único responsável pelo
ensino em uma escola única local. Além disso, o curioso é que essa
responsabilidade é atribuída sempre quando o sistema falha, não quando tem
êxito: se o sistema funciona, é um êxito político e, se não funciona, é um
problema dos professores que não se reciclaram. Ramos (2001, p.23).
Mais ainda, acrescenta Ramos que essa visão
reducionista não se aplica aos sistemas complexos como o educacional, em que o
sucesso ou o fracasso de seus produtos é atribuído a um único elemento, até
porque, não é o desempenho desfavorável de um professor que justificará o
insucesso de uma turma, visto não ser relevante, no cômputo geral, a atuação de
um ou outro docente. Importa sim, nos sistemas complexos, a sua interação
sistêmica.
A questão, ainda que seja impeditiva para o papel
do professor, não isenta o processo de formação de professores de uma avaliação
mais detalhada, muito pelo contrário, esse assunto é bem trabalhado em educação.
Azevedo e Alves (2004)[2], ao discutirem a
centralidade da prática na formação dos professores, sustentam que as diversas
camadas culturais das quais fazemos parte é que irão nos dar uma formação
efetiva, já que é na interação que o homem aprende, retém, concebe e age.
As
discussões sobre a formação docente, entretanto, vêm sendo feitas, vias de
regra, em torno de dois contextos: o dos cursos de formação e o da atualização
permanente. O primeiro, entendido no âmbito dos currículos oferecidos pelos
diferentes cursos; o segundo, entendido duplamente no âmbito do aumento de
escolaridade, por intermédio de outros cursos (extensão, especialização,
atualização, mestrado, doutorado) e/ou no âmbito de políticas de atualização em
serviço, por intermédio de ações promovidas pelas diferentes secretarias de
educação (municipais e estaduais)
Azevedo e Alves (2004, p.8).
Ainda segundo as pesquisadoras, são muitas
as propostas formuladas, algumas nas clássicas instâncias, que seriam os cursos
de formação, mas todo esse esforço empreendido nem sempre traz resultados
positivos, o que acaba por instalar um círculo vicioso de culpabilização, em
que idealizadores acusam realizadores e ambos acusam os participantes de não
terem a base teórica necessária para alcançar os objetivos ou de serem
resistentes às inovações. Estes, por sua vez, alegam que os conteúdos não
atendem às suas expectativas, não condizem com a realidade vivida. Nesse
processo, acresce-se o fato de que pesquisadores, imprensa, pais e responsáveis
contribuem com o quadro desolador, reafirmando o fracasso escolar. Para elas,
muitos se esquecem que é na prática docente que se forjam os docentes, ou seja,
é ensinando que se aprende a ensinar, é caminhando que se aprende a caminhar.
Todavia, o que se faz de modo tão
aparentemente simples, tende a se complicar diante da própria perspectiva
evolutiva do mundo, que tanto se altera com o progresso da ciência, como se
transforma por alterações políticas que interferem no fazer docente.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – apresentam (p.249) referencias as habilidades
a serem desenvolvidas pelos docentes sob três domínios: representação e
comunicação; investigação e compreensão e contextualização sócio-cultural.
Tomando por base a tríade representação,
investigação e contexto, e articulando-a à vida cotidiana, vamos perceber que
não basta aprendermos a constituição da matéria, é preciso, também,
classificarmos as novas substâncias que surgem da combinação das mesmas. Mais
ainda, que é preciso transmitir, publicar, divulgar, etc. Isto é, a descoberta
precisa circular tanto na comunidade científica como entre os novos aprendizes.
Da mesma forma, a vida sem um processo
investigativo é impensável, já que nada está pronto. Tudo ainda precisa ser
feito visando à melhoria da vida, logo, a Química como ciência atuante no ciclo
evolutivo da sociedade, demanda investimento, conhecimento, e isso só acontece,
quando se compreende muito bem os conceitos, os fatos e os dados químicos. A
visão macroscópica favorece a compreensão das variáveis mais relevantes
envolvidas, facilitando o planejamento racional da pesquisa científica e das
formas de transmissão do conhecimento.
Sobre o contexto sociocultural, pode-se dizer o
mesmo, visto não ser possível pensar a ciência dissociada do homem, pois é para
o indivíduo, para o seu bem-estar que o sistema atua.
Talvez se possa acrescer à base desse tripé a
questão econômica, uma vez que na dinâmica capitalista o avanço tecnológico não
caminha de modo independente como se pensa, mas sempre atrelado a grandes
conglomerados financeiros.
Em junho de 2003, teve início o Seminário “Ensino
Médio: construção política”, realizado pelo MEC. Este seminário gerou
discussões que foram estendidas por outros fóruns de debates, em que os PCNs do
ensino médio foram objeto de análise. Alguns pesquisadores divulgaram um
documento que vale ser ressaltado.
Das diversas propostas surgidas, pensou-se uma base
curricular que, aproveitando os mesmos eixos sugeridos pelos PCNs, pudessem
criar conhecimentos químicos de base comum. Por exemplo, nas transformações
químicas, poderiam ser reconhecidas as que ocorrem no dia a dia por meio das
diferenças entre os seus estados iniciais e finais; nas relações quantitativas
de massa, poder-se-ia compreender a conservação da massa na transformação; dos
produtos e suas propriedades, pode-se interpretar tendências e relações entre
as mesmas; nas reações orgânicas, pode-se compreender as transformações de
polimerização e, assim, sucessivamente.
Como se viu, mantendo-se esse eixo paradigmático,
chega-se a um sem número de atuações que não limitam o ensino de Química a
meras fórmulas e conceitos, muito pelo contrário, o ampliam e, em consonância
com a objetividade do currículo base de cada instituição de ensino, pode formar
excelentes profissionais, como nos adianta a revista “Química Nova”.
É voz
corrente que os químicos formados em várias IES públicas e privadas do país têm
nível de conhecimento compatível com o de seus colegas de países desenvolvidos.
Isso significa, simplesmente, que há um reconhecimento internacional e,
especialmente, latino-americano, de que várias instituições no Brasil estão
formando bons químicos. Todavia, não se pode ignorar que mesmo esses centros de
excelência formam, sob alguns aspectos, químicos despreparados para um mundo em
constante mudança. (Andrade, Cadore et al 2006)[3].
Dentre as muitas deficiências apontadas, podemos
destacar, por exemplo: formação precária em áreas afins, inclusive nos cursos
de pós-graduação, que por vezes não oferecem um ensino voltado para a prática
diária em sala de aula; relativo desconhecimento da importância da química na
vida moderna; significativa preocupação com problemas de menor interesse em
detrimento de outros que afetam o cotidiano (corantes, tensoativos etc) e
projetos didáticos-pedagógicos com reduzida carga horária para a experimentação.
Levando-se em consideração o fato de que as IES,
tanto públicas quanto privadas, formam bacharéis, licenciados e habilitados em
Química, a Avaliação das Condições de Ensino (ACE) de 2000, publicadas na mesma
revista citada anteriormente, revela que:
(...)
os Cursos de Bacharelado tiveram o melhor desempenho dentre todas as
modalidades e que os cursos de ciências dirigidos para a formação de
professores de química mostraram deficiências em todos os indicadores. Outra
conclusão é que os cursos de responsabilidade das IES federais e de algumas
universidades estaduais são os melhores. Isso se deve certamente à qualificação
do corpo docente desses cursos e do envolvimento dos seus professores com
atividades científicas. (Andrade, Cadore et al 2006).
Como podemos notar, os mais deficitários seriam os
cursos de Ciências Natureza, da rede privada, que formam professores de
Química. Curiosamente, os licenciados em Química não podem lecionar no ensino
fundamental, uma vez que o conhecimento de Química, que se encontra incorporado
no 9ª ano do ensino de Ciências, como é chamada a disciplina nos anos iniciais,
só pode ser ministrado por profissionais com habilitação em Biologia.
De uma outra maneira, ainda que não seja
significativa a participação dos formados em Ciências da Natureza com
habilitação em Química no contexto geral da educação em nosso país, é certo que
alguns, muito provavelmente, atuarão no ensino da rede particular. E, além do
mais, o caráter impeditivo para os licenciados em Química, que ficam impossibilitados
de atuar no Ensino Fundamental, por iniciativa dos órgãos públicos, acaba por
criar um desinteresse ainda maior pela disciplina, sem falar, é claro, que a
preocupação do biólogo, certamente, não será a mesma de quem vê a Química com
olhos de químico.
De modo geral, esses seriam fatores consideráveis
num contexto mais abrangente, mas ainda restam as especificidades do problema,
mormente as que dizem respeito às competências. Esse é um outro assunto
bastante complexo de lidar porque envolve questões de cunho pessoal, como o caráter,
a ética e a moral. Isso ocorre em qualquer tipo de sociedade, já que somos
sujeitos sociais e, por isso, não estamos isentos de sofrer suas
interferências.
[1] RAMOS,
Rafael Yus. Formação ou conformação dos
professores? Pátio. Revista Pedagógica
Ano IV Nº.17 MAI/JUL. 2001.
[2] AZEVEDO,
Joanir Gomes de; ALVES, Neila Guimarães. (orgs.) Formação de Crofessores: possibilidades do imprevisível. Rio de
Janeiro: DP&A, 2004.
[3] ANDRADE, B. J; Cadore, S; Vieira, P. C; Zucco, C; Pinto, Ângelo C. A formação do Químico: Revista Química Nova, Vol. 29, 2006.
[i] Professor, Especialista em
Educação e Poeta.
Texto integrante da monografia: Concepções e Práticas Pedagógicas do Ensino de Ciências: Um Estudo de
Caso no Ensino Fundamental. Apresentado ao Programa de Especialização em
Ensino de Ciências do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de
Nilópolis - RJ.