Direitos Humanos: um desafio a ser conquistado.
João
Crispim Victorio[i]
Sabemos que a tendência natural da
humanidade é evoluir e essa evolução se dá de acordo com os conhecimentos
científicos, tecnológicos e sociológicos acumulados, por isso, temos a
impressão que lá nos primórdios se vivia o atraso. Agora, quando o assunto é a
convivência em sociedade e em família, aí parece que as coisas evoluem
lentamente. Nesse sentido, as questões relacionadas a gênero, a etnia, a
religiosidade, a política e, por fim, ao poder econômico são, sem sombra de
dúvidas, questões que necessitam da educação como base para melhor compreensão
e discernimento na construção de um mundo melhor. Mundo, esse, que pode ser
compreendido e comparado ao Reino de Deus. Para tanto, é preciso abolir o poder
econômico, creio ser ele o causador de todos os problemas sociais produzindo o
pior de todos os conflitos, a guerra. Assim, ter compreensão do processo
histórico que possibilitou a construção da Declaração Universal dos
Direitos Humanos na busca da vida vivida em harmonia, é fundamental. Pois só
conhecendo o documento é que daremos a ele o devido valor e importância, já que o mesmo nasce da necessidade
de permitir que todos, homens, mulheres, crianças e idosos tenham vivam em
plenitude.
Para definirmos Direitos Humanos podemos começar dizendo que o título é formado por dois
substantivos: Humanos, homem e mulher;
Direitos,
coisas permitidas em lei. Então,
Direitos Humanos
são os direitos que a pessoa tem porque é humano. Esses direitos estão
baseados no princípio do respeito em relação ao ser humano que antes de
qualquer coisa é um ser moral e racional, por isso, merece ser tratado com
dignidade. São chamados de direitos humanos porque são universais e sem dúvidas
são bastante amplos e significativos no sentido da liberdade do trabalho, da
escolha da pessoa para formar a família, de viajar livremente e de ter lazer.
Ou seja, toda pessoa têm direitos, não importa o gênero, a etnia, a orientação
sexual, a religião ou o país que vive. Mas nem sempre foi assim. Nos tempos
passados, não havia garantias dos direitos individuais da pessoa humana.
Os direitos humanosurgiram da ideia de
que todas as pessoas deveriam ter, garantidos em lei, alguns princípios
básicos, necessários a uma vida digna em sociedade. Encontramos essa ideia em
todo o processo de desenvolvimento e evolução da humanidade enquanto ser
social, tanto nos livros bíblicos do Antigo e do Novo Testamento, quanto em
alguns pensadores nas áreas de História, Sociologia e Antropologia. Um primeiro
exemplo é a narrativa sobre a criação que encontramos no livro de Gênesis (Gn
1, 25-29) onde a criatura, centro do
ato criador, torna-se parceiro do próprio criador no cuidado com toda a sua
criação. Um segundo exemplo é a tentação do poder absoluto nas narrativas do
fruto proibido (Gn 2, 15-17), pois comer daquele fruto permitiria ter o mesmo
poder de Deus. Por isso o ser humano se percebeu nu e frágil, consciente de sua
limitação. Já o relato da Torre de Babel (Gn 11), por meio da confusão das
línguas diferentes, mostra a impossibilidade dos seres humanos serem submetidos
a um poder absoluto, ou seja, haverá sempre a luta pelo poder.
No Pentateuco, percebemos o caráter social da ética dos hebreus nos
critério estabelecidos para o convívio humano pautado pelo reconhecimento dos
direitos como as Leis de Deus (Ex 20, 1-17) que norteia toda a ação e convívio
humano, como por exemplo, o uso e a distribuição da terra e dos alimentos, pois
a maior preocupação é com os pobres, os órfãos, as viúvas, os leprosos, os
estrangeiros, com todos que correm o risco da exclusão. Mas é com os profetas
do Antigo Testamento que encontramos muitas ações em defesa da dignidade, da
liberdade e do direito à vida humana em plenitude. Os profetas representavam a
oposição consciente aos atos do poder dos que reinavam sobre o povo em Israel.
Eles foram chamados e enviados por Deus para denunciar toda opressão e falácia
do poder dos Reis, que deveria estar a serviço do povo, e anunciar o Reinado de
Deus.
O Novo Testamento, além dos Evangelhos, traz também narrativas
referentes às primeiras comunidades cristãs, descrevendo as atividades dos
discípulos após a morte e a ressurreição de Jesus, evidenciando a forma de
organização social das mesmas. Poderíamos aqui exemplificar com várias
passagens do próprio Jesus, mas para o propósito do nosso texto citarei o
Apóstolo Paulo (Rm 13, 1-7), mediando um confronto entre a comunidade e a
autoridade política local. Esse tipo de problema, sabemos muito bem, ocorre
ainda hoje em nossas comunidades. No entanto, Paulo escreve a comunidade no intuito
de mostrar como deve ser exercido o poder político e o seu limite, objetivando
estrategicamente, com isso, evitar a negação radical da autoridade política.
Fazer essa leitura de maneira desatenta nos leva a pensar que Paulo está
sugerindo que toda autoridade é boa e deve ser obedecida, porém, o que Paulo
está dizendo é que não devemos hostilizar e nem desprezar a autoridade
inadvertidamente, isso, para nós hoje é defender do Estado de Direito. Podemos
concluir, então, que no limite do contexto histórico, social e político, Paulo
defende os valores de cidadania e de direitos da pessoa humana.
Como podemos verificar, em toda a Bíblia encontramos textos que relatam
a preocupação com a dignidade da vida humana.
Outro fato histórico importante na consolidação dos direitos humanos ocorreu em
539 a.C. O primeiro rei da antiga Pérsia, Ciro, o grande, libertou os escravos
da Babilônia e, posteriormente, declarou, registrando em um cilindro de barro,
que todas as pessoas tinham o direito de escolher sua religião. Este é o
registro mais antigo, hoje reconhecido como a primeira carta dos direitos
humanos. Além desse registro, outros documentos históricos foram surgindo na
intenção de garantir os direitos individuais da pessoa, como a Carta Magna, outorgada
pelo Rei João da Inglaterra, no ano de 1215, a elaboração da Petição de Direitos, apresentada ao
Rei Carlos I em 1628, a
Constituição dos Estados Unidos (1787), a Declaração Francesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1789), e a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos
(1791). Todos considerados por muitos como documentos precursores da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
Dentre os registros históricos
acima podemos observar que durante esta fase foram ocorrendo mudanças de ordem
política e econômica, no mundo conhecido, sugerindo modificações radicais no
comportamento social das pessoas. A partir daí o tempo vai se tornando cada vez
mais curto entre um documento e outro. Durante o movimento denominado
Renascimento, século XV e XVI, precursor da ciência moderna, surge instrumentos
que vão facilitar as navegações marítimas, dando início ao período de expansão
da Europa, por meio das colonizações nas Américas e na África, época que fere
de morte os direitos humanos, devido, principalmente, a execução dos nativos e
a escravidão dos negros africanos. Mas é no século XVIII que se concentra o
maior número de documentos históricos relacionados aos direitos da pessoa. Isso
ocorre em consequência das grandes mudanças no cenário político, econômico e
social que estão acontecendo em toda a Europa e Estados Unidos. Entre as
mudanças podemos citar a Revolução Científica, a Revolução Industrial, de cunho
econômico, iniciada na Inglaterra, a Revolução Francesa,
de cunho social e ideológico. Revoluções, estas, que causam uma nova orientação
na organização da sociedade e do trabalho.
Nesse sentido, uma nova geografia territorial e política é configurada.
Um novo modo de organização social surge mexendo com a vida das pessoas
provocando grandes transformações nos hábitos, nos costumes e nos valores
morais e éticos. Estas transformações promovem no início do século XX, três
novos fatos que vão mexer com todo o mundo: a Primeira Grande Guerra Mundial
(1914-1918), a Revolução Russa (1917) e a Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945).
Neste contexto, em abril de 1945, delegados de cinquenta nações se reuniram em
São Francisco formaram a Organização das Nações Unidas – ONU, para proteger as
pessoas e promover a paz. Os ideais da ONU foram declarados no prefácio da
carta de proposta: “Nós os povos das Nações Unidas estamos determinados a
salvar as gerações futuras do flagelo da guerra, que por duas vezes na nossa
vida trouxe incalculável sofrimento à Humanidade”. A carta entrou em vigor
no dia 24 de outubro de 1945, ainda no calor e no cheiro da pólvora propagada
na Segunda Guerra Mundial.
Dia 24 de outubro de 1945, a partir desta data se comemora todos os anos
o Dia das Nações Unidas. Três anos depois, em 1948, a Comissão de Direitos
Humanos das Nações Unidas, inspirada na Declaração Universal dos Direitos do
Homem
e
do Cidadão, elaborou um documento,
que finalmente viria ser aprovado pelas Nações Unidas no dia 10 de dezembro do
mesmo ano, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento,
composto por trinta artigos, tem hoje parte dessas leis constitucionais
delineando os direitos fundamentais que formam a base para uma sociedade justa
e democrática. Entre os trinta artigos do documento estão
questões relacionadas com a garantia dos direitos civis, políticos, sociais e
ambientais, como a liberdade individual, a educação, a saúde, a propriedade, a
cultura, entre outros.
Como vimos a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU, guia o texto base de
inúmeras Constituições pelo mundo, inclusive a nossa de 1988. Mas assim como
alguns países, o Brasil, ainda, não conseguiu consolidar alguns artigos da Lei
universal no que se refere à:
... liberdade e a dignidade,
conforme o artigo primeiro... no que se refere à igualdade perante a lei,
conforme artigo sétimo... no que se
refere à propriedade, conforme artigo décimo sétimo... no que se refere à liberdade de pensamento,
de consciência e de religião, conforme artigo décimo oitavo... no que se refere à liberdade de opinião e de
expressão, conforme o artigo décimo nono... no que se refere ao direito a
trabalho, à filiação sindical e à proteção contra o desemprego, conforme artigo
vigésimo terceiro... no que se refere ao direito a repouso, a lazer e a férias
periódicas pagas, conforme artigo vigésimo quarto... no que se refere à
educação, educação de qualidade gratuita e obrigatória, pelo menos no ensino
básico, e acesso ao estudo superior aberto a todos em plena igualdade, conforme
o artigo vigésimo sexto... (UNIC / Rio 005 – Agosto 2009).
Os artigos destacados
são os básicos do básico no desafio da construção de uma sociedade justa e
fraterna, porém, ainda não conseguimos implantá-los de maneira efetiva na nossa
sociedade brasileira. Hámuito ainda
por fazer, principalmente, no que se refere a: construção de um sistema de
educação inclusivo e de qualidade; promoção da justiça social com empregos e salários dignos; reforma agrária
com investimentos financeiros e infraestrutura que garanta a fixação do homem
na terra e políticas públicas destinadas aos mais pobres para torná-los pessoas
dignas. Aos poucos estamos conquistando alguns desses desafios, no entanto,
sabemos que não é fácil, basta olharmos para os últimos 15 anos, a mudança na
direção dos investimentos públicos do governo federal, por exemplo, vem causando
verdadeiro ódio aos mais ricos, acostumados somente a ganhar e nunca a
repartir. Por isso, os mesmos vêm se organizando e investindo muito dinheiro
para derrubar o governo e acabar com a festa dos mais pobres e marginalizados.
Sendo assim, é preciso conhecer para fazer valer e defender a nossa
Constituição, conforme proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no
seu prefácio: “... tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce,
através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e
liberdades...”. Ou seja, a saída é pela educação.
Rio de Janeiro,
04 de dezembro de 2015.
[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.