Os Originários das Terras
Brasileiras
Pode parecer estranho, à
primeira vista, falar dos povos originários das terras brasileiras tomando por
base as duas principais teorias sobre a origem da vida. A Teoria criacionista,
elaborada a partir de conceitos judaico-cristãos que se encontram na Bíblia e a
Teoria evolucionista, baseada nos estudos do cientista inglês Charles Darwin.
Teoria, esta, marcada por discussões polêmicas sobre as origens do Universo e
da própria Humanidade entre Ciência, Filosofia e Religião. Mas para começarmos
do início e nos orientarmos num processo lógico do surgimento e do espalhamento
do ser humano sobre a Terra, particularmente nas Américas e por fim ao Brasil,
nos parece interessante partir das origens do Universo e consequentemente da Humanidade,
já que esses assuntos vêm sendo discutidos há séculos e até
hoje não existe consenso sobre os mesmos.
Segundo a Teoria
criacionista, Deus é o arquiteto criador do Universo, “No princípio, criou
Deus o céu e a terra” (Gn. 1,1).
Com o passar do tempo Deus continuou criando e criou as aves, as ervas, o sol,
a lua e, por fim, “Deus criou o homem à
sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn. 1, 27).
Para Ciência a criação do Universo pode ser explicada por quatro teorias: a
Teoria Inflacionária; a Teoria do Estado Estacionário; a Teoria do Universo
Oscilante ou a Teoria do Big Bang.
Tomaremos por base, aqui, a Teoria da Grande Explosão, por ser a mais conhecida
e a mais aceita no meio acadêmico. Nesse sentido, após o surgimento do Universo,
em uma atmosfera propícia, surgem as primeiras formas de vida.
De acordo com a Teoria
evolucionistas as primeiras formas de vida dão origem a todos os seres vivos
que existem hoje. E, isso, só é possível por meio da evolução individual das
espécies, a partir um ancestral comum. As mudanças ocorridas e as diferenças
entre as espécies deram-se pelo processo de seleção natural, ou seja, os
indivíduos que melhor se adaptam ao meio sobrevivem e deixam descendente, que,
por sua vez, também sofrem alterações biológicas, deixando novos descendentes.
Sendo
assim, podemos perceber que a questão sobre as origens da Humanidade nos remete
a um amplo debate, no qual Filosofia, Religião e Ciência contribuem com suas
diferentes concepções. Mas por se tratar de um tema polêmico, que envolve
várias áreas do conhecimento e, portanto, inacabado, cabe a cada um escolher a
corrente explicativa que lhe parece mais plausível. No nosso caso importa saber
como a Humanidade se espalhou sobre a Terra, já que a impressão que nos dá os
livros de História, principalmente em se tratando da época da expansão
territorial europeia, por meio das grandes navegações, é de que só existia
gente, seres humanos, na Europa.
Muito antes da passagem
de Cristóvão Colombo pela América e da chagada de Pedro Álvares Cabral ao
Brasil, toda essa região já era habitada por diferentes povos que aqui viviam
de acordo com suas culturas e costumes. Esses povos foram denominados, de forma
genérica, por isso, equivocada, pelos europeus, como índios. “Esta denominação,
usada até hoje, às vezes dá uma impressão errada, como se uma única palavra designasse um único povo, com uma só cultura
e até com o mesmo tipo físico” (FREIRE e MALHEIROS, 2010).
Até hoje não há consenso
sobre como e quando a América foi povoada. As teorias sobre este assunto
levantam várias hipóteses, muitas das vezes divergentes. Para os arqueólogos
Neves e Hubbe (2005), a
América foi povoada em duas grandes migrações: a primeira, a cerca de 14 mil
anos, de povos com traços físicos africanos e australianos, e a segunda, há 11
mil anos, de povos com traços asiáticos. As duas migrações teriam ocorrido pelo
Estreito de Bering, entre a Ásia e América. Por isso, quando os portugueses
aqui chegaram acreditando que estas terras eram desabitadas, foram
surpreendidos ao se depararem com os nativos. Estavam na verdade refazendo o
que outras populações havia feito em períodos anteriores.
Segundo Azevedo (2011), “no século XVI havia no Brasil de 2 a 4
milhões de pessoas, pertencentes a mais de mil povos diferentes”, com
crenças, hábitos, costumes e formas de organização sociais específicas. Falavam
cerca de 1.300 línguas que eram agrupadas em dois grandes troncos linguísticos
principais: o Tupi-Guarani (Arikém, Awetí, Juruna, Mawé, Mondé, Puroborá,
Mundurukú, Ramarama, Tuparí) e Macro-jê (Bororó, Krenák, Guató, Jê, Karajá,
Maxacalí, Rikbaktsá, Ofayé, Yatê). Cerca de mil delas se perderam por diversos
motivos, entre os quais a morte dos índios, em decorrência de epidemias,
extermínio, escravização,
falta de condições para sobrevivência e aculturação forçada.
Segundo o Censo 2010 do IBGE, foram registrados 896,9 mil indígenas,
36,2% em área urbana e 63,8% na área rural. 305 etnias, das quais a maior é a
Tikúna, com 6,8% da população indígena. Também foram identificadas 274 línguas
indígenas. Isso, sem contar os índios isolados, que por estarem sem
contato com a sociedade não puderam ainda ser conhecidas e estudadas. Hoje
algumas dessas línguas continuam sendo usadas, num certo sentido, por cariocas
e fluminenses, muitos dos quais nem desconfiam disso, pois a língua portuguesa,
falada no Brasil, incorporou muitas palavras indígenas: nomes de lugares, de
animais, de vegetais, ervas, flores, plantas,
enfim de toda a flora e fauna. (FREIRE e MALHEIROS, 2010).
Antes de 1500, não
existia um território chamado Brasil, não existiam as fronteiras, como as que
existem hoje, separando os países que formam a atual América. Não existia um
povo chamado brasileiro, muito menos fluminense ou carioca. No momento da
chegada dos primeiros europeus, os índios viviam em aldeias espalhadas por todo
o território. Segundo Bessa e Malheiros (2010, p. 11) “A aldeia era a maior unidade política das sociedades indígenas. Cada
uma delas tinha autonomia e reconhecia como autoridade maior o seu chefe,
tuxaua, morubixaba ou cacique”.
Nesse período, no Rio de
Janeiro, destacavam-se os Tupi, que viviam no litoral, por isso, foram os
primeiros a terem contato com os colonizadores e os Puri que viviam espalhados
entre o litoral e as florestas do outro lado da Serra dos Órgãos, nas margens
dos rios Piabanha e Paraíba. Os Tupi e os Puri, apesar de algumas diferenças
estruturais e de organização social interna, tinham em comum locais
estratégicos de construção. Esses índios nos deixaram um legado de alternativas
de sobrevivência, transmitindo as “ciências e tecnologias” que desenvolveram
por milhares de anos nas plantações, na caça e na pesca.
Tupi e Puri reúnem os povos historicamente
mais importantes do Rio de Janeiro, que por ocuparam vastas extensões
territoriais contribuíram para a formação étnica do povo fluminense. Mas o processo
histórico de conflitos violentos culminou no extermínio quase que total desses
povos. São perdas irreparáveis, como explica o etnobiólogo norte-americano
Darrell Posey, "com a extinção de cada grupo indígena,
o mundo perde milhares de anos de conhecimentos acumulados sobre a vida e a
adaptação a ecossistemas tropicais".
Para o Professor Bessa,
se não tivermos um conhecimento correto sobre a história indígena, sobre o que
aconteceu na relação com os índios, não poderemos explicar o Brasil
contemporâneo. No entanto, constatamos que muito pouco foi feito para
conhecermos a história indígena. A produção de conhecimentos nesta área não
condiz com a importância do tema. As pesquisas são de uma pobreza franciscana.
O resultado disso é a deformação da imagem do índio na escola, nos jornais, na
televisão, enfim na sociedade brasileira. Ou seja, muitas pessoas têm ideias
equivocadas referentes aos índios. Mas essa é outra história.
Os
textos bíblicos citados são da Bíblia do peregrino da editora Paulus.
Segundo
Sara Brandon (2005), desde que
Cristóvão Colombo atingiu a ilha de San Salvador, nas Bahamas, em 1492, e
denominou os habitantes de “índios”, porque acreditava ter atingido o leste das
Índias, o conceito foi lapidado, impregnando o imaginário da sociedade
dominante e desumanizando diversos povos nativos das Américas.
José Ribamar Bessa Freire e Márcia Fernanda Malheiros
- Os Aldeamentos Indígenas do Rio de Janeiro.
Posey, Darrell A. : Etnobiologia:
teoria e prática. in Suma Etnológica, tomo I, Etnobiologia. Vozes/Finep. 1986.
Petrópolis.
Palestra proferida em 2002, no curso de extensão de gestores de cultura do
município do Rio de Janeiro, organizado pelo Departamento Cultural.
[i]
Professor, Especialista em Educação e Poeta.