Projeto Político Pedagógico e a Participação Docente
Tanto o Plano Nacional de Educação – PNE
(2001-2010), quanto o PNE (2014-2024) nas suas versões aprovadas, dentre os
objetivos e prioridades definidos, destacam a democratização da gestão do
ensino público, por meio da participação dos profissionais de educação, na
elaboração do projeto político pedagógico da escola, como também, a
participação da comunidade nesse processo. A participação dos docentes, além da
regulação normativa instituída na Lei 9.394/96, é condição imprescindível. Para
tanto, presumimos que o nível desta participação define‐se
pelo compromisso assumido com a educação.
No processo de construção do projeto
político pedagógico da escola, assumimos como de importância fundamental a
concepção do “intelectual orgânico”, desenvolvida por Gramsci. Para o autor, o “intelectual orgânico” é aquele que está
junto, trabalha em conjunto, movimenta‐se, relaciona‐se
com aqueles que representam; não está separado. Considerando a intelectualidade
dos educadores, estes deveriam encarregar‐se da difusão das novas
concepções de mundo, de novas ideologias, como também de elaborar novas ideias.
Pois ideologias produzidas por intelectuais desligados das massas, não passam
de “elucubraçõezinhas individuais”
(GRAMSCI, apud PORTELLI, 1977, p. 84).
Neste sentido, abrindo diálogo com Paulo
Freire, “ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por causa do qual a gente se pôs a caminhar”
(FREIRE, 1992, p. 79). Estas belas palavras definem o projeto político
pedagógico, pois este demarca o processo de caminhar e refazer caminhos, em
busca de sonhos. Veiga (2001, p. 45‐46) corrobora com o
mestre e metaforiza, referindo‐se a um percorrer, palmilhar, abrir
caminhos novos, andar em busca de novos rumos, de novas trilhas para a escola.
É na busca constante pela utopia, busca
pelo que parece “impossível”, que leva a escola a refletir sobre sua realidade e
transformar suas práticas. Esse significado faz pensar o projeto da escola com
uma visão para um futuro, entendendo a utopia, conforme Santos (1995), como “exploração de novas possibilidades e
vontades humanas, por via da oposição da imaginação a necessidade do que
existe, em nome de algo radicalmente melhor que a humanidade tem direito de
desejar” (SANTOS, 1995, p. 323).
Portanto, elaborar o projeto político
pedagógico da escola é pensar um futuro diferente do presente, é projetar‐se
em busca de uma nova estabilidade, em função da promessa de que cada projeto
contém um futuro melhor do que o presente. O PPP pressupõe uma ação
intencionada com um sentido definido, explícito, sobre o que se quer
transformar (GADOTTI, 1997). Sendo assim, o projeto político pedagógico da
escola é uma reflexão de seu cotidiano, o que pressupõe continuidade das ações,
descentralização, democratização do processo de tomada de decisões e instalação
de um processo coletivo de avaliação de cunho emancipatório (VEIGA, 2006, p.
13). Villas Boas (1998) reforça essa ideia, caracterizando o projeto político pedagógico
como um “eterno diagnosticar, planejar,
repensar, começar e recomeçar, analisar e avaliar as práticas educativas”.
Para
Santiago,
“(...)
na sua essencialidade um projeto político‐pedagógico opera com relações de
conhecimento e de poder, são as discussões em torno de uma mudança
paradigmática que centralizam as preocupações dos educadores no processo de
reestruturação curricular demandado pela exigência do próprio projeto em
construção e pelas atuais políticas educacionais” (Santiago. 2008 p. 142).
Por fim, em meio a essas concepções, De
Rossi (2006, 2003) apresenta a discussão sobre duas concepções de projeto político
pedagógico: os reguladores e os emancipadores. O primeiro, é concebido como um
projeto estratégico que serve ao controle das políticas, assemelha‐se
ao empresarial, segue a normas prescritas, valoriza mais o produto em
detrimento do processo, e não admite conflitos. O segundo modelo envolve gestão
democrática, com objetivos que vislumbram a emancipação, comportando ideais,
utopias e conflitos.
Portanto, o projeto político pedagógico
compreende processos vividos nas práticas educativas das escolas e estes não acontece
tal como são prescritos pelos órgãos reguladores, pois as vivências cotidianas
e as exigências e necessidades de cada escola são heterogêneas. Sendo assim, os
mesmos partem de orientações oficiais e são recriados e ressignificados de
acordo com as necessidades de cada escola. Nesse entendimento, ele garante as
especificidades culturais, ideológicas, históricas, políticas da escola, sem
negar o instituído e projetar o instituinte.
Mas sabemos que processo de discussões
sobre a gestão democrática nas escolas se dá a partir da Constituição de 1988 e
que a mesma só é regulamentada com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB
9.394/96). Lei esta que estabelece orientações para a organização do espaço
físico, para o trabalho pedagógico, para a participação dos educadores e para a
integração entre escola e comunidade. Na referida Lei, nos seus Artigos 14 e
15, a elaboração do projeto político pedagógico é obrigatória para o
estabelecimento de ensino e para os professores, que são considerados agentes
imprescindíveis nesse processo de construção.
Como vemos estamos bem integrados nos
dispositivos legais, pois tanto a Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB/1996),
quanto o Plano Nacional de Educação (PNE/2001-2010 e 2014-2024), destacam a
democratização da gestão escolar e elaboração do projeto político pedagógico, por
meio da participação dos profissionais de educação, na como também, da
comunidade nesse processo. Dessa forma se faz necessário trazer para o foco do
debate as questões relacionadas ao papel da comunidade escolar, mas
precisamente do docente, por considerar sua importância enquanto intelectual
orgânico, capaz de fazer toda a diferença na organização, orientação e
elaboração do projeto político pedagógico, de maneira a vir fortalecer a prática
democrática e por fim a autonomia da escola, sabendo-se, antemão, dos problemas
relacionados à centralização e, consequentemente, à gestão em todos os níveis
do sistema educacional, conforme discorre o PDE (1993, p.23):
A
centralização burocrática nas três instâncias de governo – federal estadual e
municipal – impediu o surgimento de uma escola com identidade e compromisso
público de desempenho. Em decorrência, a instituição escolar caracterizou‐se
pela falta de autonomia didática e financeira e pela falta de participação da
comunidade. Esses fatores constituem obstáculo para a construção e a execução
de um projeto político‐pedagógico elaborado a partir das
necessidades básicas de aprendizagem dos seus alunos.
Devemos perceber as muitas contradições
existentes entre as leis que regem e as práticas educacionais aplicadas no
cotidiano escolar, os gestores se queixam de ter pouca autonomia, enquanto
setores da sociedade acham que há autonomia demais – aliás, temos muita gente
palpitando sobre educação sem a devida formação para tal. Nesse sentido, autonomia passa ser uma
palavra que precisa ser mais bem interpretada devido sua subjetividade, isso exigi,
principalmente dos gestores e da comunidade escolar, muita discussão
acompanhada de prática para dar sentido, por fim vida.
A partir da Constituição Federal de 1988
e, depois, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, o sistema de
educação brasileiro passa a adotar, de maneira progressiva e lenta, o processo
de autonomia didático-pedagógica e financeira, mas essas autonomias são, ainda,
letras mortas no papel. A LDB, no que diz respeito às questões pedagógicas, artigo
3º, trata dos princípios do ensino brasileiro, abrindo possibilidades do
pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, como afirma o inciso III. No
artigo 12, dita as atribuições das unidades escolares, conforme o inciso I: “elaborar e executar a proposta pedagógica”.
Isso significa dizer que cada escola pode ter seu próprio projeto que pode ser
diferente e até divergente dos demais e o governo não pode ignorar nem
atrapalhar sua execução dessas propostas pedagógicas. Inciso IV: “cuidar para que seja cumprido o plano de
trabalho de cada docente”. Significa que cada professor tem o direito de
ter um plano de trabalho próprio.
No que diz respeito às questões
financeiras o artigo 15, define que "os
sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de Educação
Básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e
administrativa e de gestão financeira...". Na implementação desse
artigo os governos são bastante lentos e permitem um grau de autonomia muito
pequeno, particularmente na disponibilização do dinheiro. Dessa maneira os
gestores se veem, muitas das vezes, de pés e mãos atadas para discutir e
colocar em prática com a equipe os projetos específicos para sua instituição.
Como podemos ver há de fato muitos
limites impostos à autonomia escolar, inclusive, a mesma Lei (LDB) que promove
à autonomia escolar também deixa claro os limites a essa autonomia quando
observa que em qualquer caso, devem ser respeitadas as normas comuns e as do
sistema de ensino. Portanto, a realização da autonomia, apesar de décadas de
sua implantação, vem sendo construída a passos lentos por falta de informação
sobre sua importância, por falta de comprometimento dos agentes envolvidos e
pela tradição centralizadora do sistema de Educação
brasileira.
Rio
de Janeiro, 07 de julho de 2016.
[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.
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_________. O “Obliquo” e o
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