segunda-feira, 13 de junho de 2016

Gestão Democrática: princípio do projeto político pedagógico
João Crispim Victorio[i]

 
São vários os documentos oficiais que tratam diretamente da educação brasileira, como a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 e o atual Plano Nacional de Educação (2011- 2020), entre outros, não menos importantes. Sendo os dois últimos os que mais diretamente citam as várias ações de organização no espaço escolar, determinantes à elaboração do projeto político pedagógico, entre as ações destacamos a participação de todos os agentes educacionais envolvidos direta e indiretamente no processo educativo, mas, infelizmente, na prática nada disso parece ter sentido, já que os professores estão pouco acostumados à participação coletiva no campo social e político.
Nesse contexto torna-se difícil a compreensão de democracia no ambiente local de trabalho. Nossa forma de participação é limitada pela representação e, a partir daí, está tudo resolvido. Sendo assim, fica prejudicada a gestão democrática do ensino público, já que a mesma é instituída por meio do reconhecimento da função política da educação. Isso se deu frente aos rumos da sociedade na luta pela democratização do país, a partir da Constituição Federal de 1988 e logo após pela LDB de 1996, que introduzem os princípios da democracia, da autonomia e da construção coletiva em um novo tipo de organização da gestão escolar.
Muitas são as pedras no caminho para dificultar a consolidação de uma sociedade de homens e mulheres conscientes de seus direitos e deveres. A educação seria, podemos dizer assim, um caminho para formação de tal sociedade, não fossem os problemas de ordem natural, referente a dinâmica social: o professor é um indivíduo que saí dessa sociedade despolitizada e forma novos indivíduos, consequentemente, despolitizados, numa roda viva; de ordem intervencionista, o realinhamento do Estado brasileiro com as reformas neoliberais, sistematizadas no Consenso de Washington[1], o Banco Mundial assumiu posição expressiva no financiamento da educação básica. Esta nova posição teve como marco a Conferência Mundial sobre Educação para Todos[2], realizada na Tailândia (1990). O compromisso explícito dos países, que participaram do evento, inclusive o Brasil, com a nova agenda do Banco Mundial, confirmase com a elaboração do Plano Decenal de Educação (19932003)[3].
O Plano Decenal de Educação, ao mesmo tempo em que consolida os acordos de financiamento, define a agenda de atuação do Banco Mundial, na política educacional, propondo a universalização da Educação Básica associada à valorização do magistério. Para tanto, foi previsto um novo padrão de gestão educacional por meio de um reordenamento que garantisse à escola o fortalecimento da gestão e a ampliação da autonomia como prioritário na política educacional.
Partindo do pressuposto de que a escola precisava se adequar às novas demandas sociais, a política educacional foi sendo redefinida. Nessa expectativa o Plano Decenal é elaborado para ser um instrumento guia na recuperação da educação básica do país e o projeto político pedagógico surge como imprescindível para implementação do PDE. Textualmente ficava claro que toda escola precisava fazer o seu plano e definir metas e compromissos com a comunidade escolar. Neste sentido, a partir da década de 90, a descentralização e a autonomia do espaço escolar, características importantes na construção da gestão democrática, se dão com o objetivo de transferir recursos diretos para os estabelecimentos públicos de Ensino Fundamental e destinavase ao “atendimento de necessidades imediatas de manutenção e de projetos de iniciativa da unidade escolar, de modo a fortalecer sua autonomia” (FUNDESCOLA, 2008).
Porém, para Cunha[4]: 
 
(...) O ensino democrático é aquele que, sendo estatal, não está subordinado ao mandonismo de castas burocráticas, nem sujeito às oscilações dos administradores do momento. Tem, isto sim, currículo, condições de ingresso, promoção e certificação, bem como métodos e materiais discutidos amplamente com a sociedade, de modo que os interesses da maioria, em termos pedagógicos, sejam efetivamente respeitados. O ensino democrático é, também, aquele cuja gestão é exercida pelos interessados, seja indiretamente, pela intermediação do Estado (que precisamos fazer democrático), seja diretamente, pelo princípio da representação e da administração colegiada (2009, p. 5-10).
 
Conforme a autora um dos mais importantes princípios da gestão democrática é a autonomia. Mas essa autonomia não pode ser confundida com o individualismo como prega o discurso neoliberal, sugerindo como ideia de democracia a liberdade de iniciativa dos indivíduos. Por outro lado, na perspectiva de uma gestão democrática, a definição de autonomia deve estar fundamentada nos princípios da escola cidadã, de acordo com o que afirma Padilha[5]:
 
A autonomia pressupõe, pois, a alteridade, a participação, a liberdade de expressão, o trabalho coletivo na sala de aula, na sala dos professores, na escola e fora dela. A educação enquanto processo de conscientização (desalienação) tem tudo a ver com a própria autonomia e, como esta, se fundamenta no pluralismo político pedagógico, garante a mudança possível no próprio sistema educacional e nos próprios elementos que o integram (2007, p. 65 66).
 
Nesse modelo de gestão, é imprescindível o trabalho em equipe, uma equipe que tenha algumas competências, como: capacidade de comunicação e expressão oral, habilidades de trabalhar em grupo, capacidade de argumentação, formas criativas de enfrentar problemas e situações difíceis (LIBANEO, 2004, p. 103).
Dessa forma a gestão democrática da escola, princípio para a construção do projeto político pedagógico, implica em refletir sobre as políticas educacionais, isso requer mudanças nas estruturas organizacionais e de paradigmas rumo à construção de uma gestão diferente da que vemos hoje. Esse processo deve ser e é conduzido segundo uma determinada concepção de educação e de sociedade, sendo assim, as escolas precisam ter clareza sobre: Qual a ideia de sociedade na qual está fundamentada? Qual a ideia de escola cidadã? Essa escola está fundamentada na gestão democrática, cujos fundamentos são autonomia, participação e emancipação?
Na perspectiva de gestão democrática, “o poder está no todo e é feito de processos dinâmicos construídos coletivamente, mas não é um espaço desorganizado, sem objetivos, sem estratégias e sem direção”. “Pois a gestão democrática é um processo de coordenação de iguais, não de subordinados, portanto, escolher um diretor é escolher os rumos e a qualidade de processos de gestão da escola” (BORDIGNON & GRACINDO, 2004, p. 148). Nesse contexto, o projeto político pedagógico se apresenta como instrumento de luta e não como uma receita mágica para resolver todos os problemas da escola. A autonomia, apesar de instituída na LDB, deve ultrapassar os limites oficiais e ser construída a partir do PPP. A autonomia da escola, não pode ser encarada como algo herdado ou adquirido, deve ser construída. Não se esgota em decretos, mas avança a partir das aberturas que a legislação apresenta.
Na década de 1990, as propostas de descentralização e autonomia da escola foram postas em ação por meio de políticas públicas e de iniciativas dos acordos entre o Banco Mundial (BIRD) e o governo brasileiro. Nesse contexto tem início as discussões sobre o Plano Nacional da Educação (PNE). Todos esses documentos que regem a educação brasileira (Constituição, LDB, PNE) são resultados de conquistas da sociedade civil organizada, e são referências para a elaboração dos Planos Estaduais e Municipais de Educação. Na relação entre as Leis e o projeto político pedagógico é importante destacar as influências dos dispositivos legais no processo de significação político e pedagógico das escolas.
A gestão democrática do ensino público é instituída por meio do reconhecimento da função política da educação e isso se dá frente aos rumos da sociedade na luta pela democratização do país. A Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada na Tailândia (1990), é o marco da nova posição de realinhamento do Estado brasileiro com as reformas neoliberais. O Banco Mundial assume posição expressiva no financiamento da educação básica. O fortalecimento da gestão e a ampliação da autonomia foram destacados como “direção prioritária” da política educacional.
Como vemos um dos mais importantes princípios da gestão democrática é o da autonomia, que não pode ser confundida com o individualismo, como prega o discurso neoliberal. Na perspectiva de uma gestão democrática, a definição de autonomia deve estar fundamentada nos princípios da escola cidadã. Sendo assim, a gestão democrática da escola, princípio para a construção do projeto político pedagógico, implica em refletir sobre as políticas educacionais, processo que deve ser conduzido segundo uma determinada concepção de educação e de sociedade. Ou seja, a autonomia da escola deve ser construída e o projeto político pedagógico visto como instrumento de luta. 
 
Rio de Janeiro, 13 de junho de 2016.
 




[1] O Consenso de Washington foi um encontro ocorrido na capital dos Estados Unidos, no ano de 1989. Foram convocados, diversos economistas latino-americanos liberais, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O encontro buscava avaliar as reformas econômicas na América Latina. As conclusões do encontro formam um conjunto de medidas para promover o ajustamento macroeconômico dos países em desenvolvimento.
 
[2] A Conferência realizada na cidade de Jomtien, teve como objetivo estabelecer compromissos mundiais para garantir a todas as pessoas os conhecimentos básicos necessários a uma vida digna, condição insubstituível para o advento de uma sociedade mais humana e mais justa. Participaram das discussões a UNESCO e a UNICEF, com apoio do Banco Mundial e de várias outras organizações intergovernamentais, regionais e organizações não governamentais.
 
[3] Documento elaborado em 1993 pelo Ministério da Educação (MEC) destinado a cumprir, no período de uma década (1993 a 2003), as resoluções da Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, pela Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial. Esse documento é considerado “um conjunto de diretrizes políticas voltado para a recuperação da escola fundamental no país”.
 
[4] CUNHA, L. A. A Educação na Nova Constituição. Revista da Associação Nacional de Educação – ANDE, Ano 6, nº 12, p. 5-10, 1987.
 
[5] PADILHA, Paulo Roberto. Planejamento dialógico: como construir o projeto político pedagógico. 7ª Ed. São Paulo, 2007.




[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.
 

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